• Me deixa ser ogra
  • Me deixa ser ogra


    A ideia de que mulheres são mães do universo pode até ser bastante poética, mas – ao menos para mulheres como eu – é problemática.

    Temos a honra e a lástima de nos terem atribuído as virtudes da organização, da delicadeza e do capricho – todas as virtudes ligadas à maternidade, percebeu? – como se fosse nossa a função de tornar qualquer lugar um lar.

    Se  depender de mim – desculpem – a organização universal estará em risco.

    Eu até sei cozinhar – quando quero. Quando não, como ovo frito misturado com tudo o que há na geladeira e está tudo bem.

    Quem vê a minha cara jamais arriscaria tal palpite, mas eu não sou dada a comidas-leves-que-fazem-bem-pra-a-pele o tempo todo (ok, eu confesso, quase nunca): Peço um X-Tudo pelo Ifood e como vendo Netflix, com as pernas abertas (sente-se como uma mocinha!) e, quando termino, arroto tão alto que até o meu gato me olha assustado com as orelhas em riste.

    Aliás, é apropriado informar a quem pensa que temos, todas, a obrigação de sermos um poço de delicadeza, que eu faço competições divertidíssimas com os meus primos pra ver quem arrota mais alto (e ganho, frequentemente.)

    Xingo tanto que, na minha homenagem de formatura, me chamaram de feminista barraqueira. “São seus olhos”, respondi. Não meço palavras e não preciso segurar a língua só porque não tenho um pau entre as pernas. Santa Dercy que o diga (Que Deus a tenha.)

    Arrumo o quarto muito de vez em quando. Na maior parte do tempo, há peças de roupa em cima da penteadeira e sapatos pendurados na janela.

    Tenho tanto instinto materno que, na única vez em que tentei trocar a fralda da minha sobrinha, ela acabou suja de cocô até o último fio de cabelo (ora, foi só um descuido.)

    Todo esse esforço irracional para provar que delicadeza é uma virtude que realmente não me contempla tem um propósito simples: dizer que as virtudes femininas não precisam necessariamente serem convenientes ao mundo (basta que sejam convenientes a elas) – porque, não, nós não somos mães do Universo.

    Nós arrotamos alto, soltamos pum, sentamos de pernas abertas, xingamos, falamos muita putaria e voltamos para casa de manhã (agradecemos ao Universo quando lembramos o caminho de casa.)

    E sem essa de “estão tentando imitar aos homens.” Liberdade para ser quem se é não é – ou não deveria ser – um privilégio masculino.

    Me deixa ser ogra. Me deixa com meu X-Tudo, com minha postura deselegante, com minhas tatuagens grandes, com meus cabelos curtos e com meu palavreado coloquial e com a minha pancinha exuberante.

    Eu sou gente. De carne, osso e defeitos. Se querem uma perfeita rainha da delicadeza, a Barbie está aí pra isso.

    ass_nathmacedo


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