A solidão é um luxo, diria Clarice, e eu, mortal, não me atrevo a duvidar.
Como tenho dito, é bom descobrir o barato de viver na própria companhia, e, para além disso, é necessário: não há outra maneira de fazer com que aflore com uma intensidade tão absurda a nossa própria poesia.
Não sejamos hipócritas, entretanto: à s vezes a solidão bate e a gente apanha. Há alguns dias – em geral no inverno – em que já se leu a própria poesia à exaustão, já gastou-se a própria companhia tanto quanto era possÃvel, e se quer apenas o bem-estar de uma companhia que pareça segura e confortável.
É a vontade de afeto, tão humana – e por isso mesmo inegável – a carência que é frequentemente confundida com a necessidade de um relacionamento.
Neste momento preciso – pelo qual todos nós já passamos, não há quem possa negar – muita gente não segura a onda e procura um paliativo, uma companhia para a Netflix, uma conversa, ainda que mediana, um abraço, ainda que não tão quente e não tão acolhedor, porque, paciência, nós somos animais sentimentais.
Mas há uma razão óbvia que, sozinha, é capaz de nos convencer do quão estúpido pode ser procurar uma relação meia-boca apenas para boicotar a solidão: um relacionamento ruim só faz com que nos sintamos ainda mais sozinhos.
Porque aà começa a solidão a dois, a tão temida e tão miserável solidão a dois, em que você não está sozinho por covardia – e por isso é privado da própria poesia – e também não está em verdadeira companhia.
É como se o outro fechasse todas as janelas da sua vida. Não vai embora e não permanece, apenas ocupa um espaço que, vazio, seria melhor aproveitado, porque quando você acolhe a solidão, ela te acolhe de volta.
A solidão a dois, ao contrário, não pode ser tranquila. Nem mesmo o marasmo a contempla, porque uma companhia de enfeite é sempre incômoda e adstringente, faz questão de nos lembrar, em silêncio, que um corpo não é o suficiente, e, como se não bastasse, nos rouba o prazer da autocontemplação.
Relações ruins não são remédio para a solidão. São, ao contrário, agravantes. Não abro mão da minha luxuosa solidão se, em troca, não me oferecem verdadeira companhia.