Ela acorda às cinco da manhã, passa um café forte e acende um cigarro. Encara o ônibus lotado, as caras de poucos amigos no trabalho e os clientes que parecem se dedicarem integralmente a torrar o seu saco.
Ela está sempre com uma cara ótima, ainda que tenha acordado irritada com o solo de guitarra desafinado do vizinho ou as contas atrasadas. Ela tem sempre um sorriso branco, lindo e estonteante. As sobrancelhas sempre bem desenhadas e os olhos vívidos, quase infantis, que nos fariam jurar que ela dormiu mais do que três horas na noite passada.
Ela sente muito por ter vivido um casamento fracassado. Perdeu parte de seus vinte e poucos anos com alguém que não lhe acrescentou muito além de rugas.
Vive longe da mãe desde que precisou tentar a vida – duríssima, ao que me parece – na cidade grande. Sente falta dos sorrisos puros de seus sobrinhos, do cheiro de pão na chapa que invade a casa materna todas as manhãs, de um abraço protetor depois de um dia cansativo de trabalho.
Muitas coisas, de fato, lhe faltam; mas o seu sorriso se mantém intacto todas as vezes em que ela se lembra de tudo aquilo que lhe resta: bons amigos, a beleza e energia inigualáveis dos vinte e poucos e uma vida inteira pela frente.
E é assim, entrando na dança desritmada da vida, que ela mantém um sorriso no rosto e uma calma quase inacreditável. É assim, todo santo dia: aponta pra a fé e rema.
Ela sabe que reclamar da chuva não fará com que o sol apareça; que resmungar nas primeiras horas do dia não trará um ônibus menos lotado, colegas de trabalho mais sociáveis ou clientes ligeiramente digeríveis.
Ela sabe que pode construir o próprio castelo. Ninguém disse que seria fácil – e ela se mantém de pé, sorrindo bonito a cada tropeço. Acredite, ela existe – e é a dona do sorriso mais iluminado do mundo.
Ela sabe: tudo o que a vida espera de nós é coragem.