Fazia alguns dias – talvez uns quatro – que não se falavam. E embora o último encontro já denotasse o desinteresse dele, ela resolveu ligar. Afinal, alguém lhe havia aconselhado que não se deve dar o amor por encerrado antes de o ponto final ter sido claramente posto. Afinal, o horóscopo havia lhe dito que aquela era uma semana propensa a boas surpresas amorosas. Afinal, era noite de lua minguante e de Órion na órbita mais próxima da Terra – uma composição astral que, historicamente, lhe dava sorte.

Celular em mãos. Os dedos, trêmulos, não tinham a precisão necessária para conduzir um smartphone. Cinco tentativas foram necessárias para que ela acertasse o código de desbloqueio. Aquele mesmo, que ela repetia umas setenta vezes por dia, de olhos fechados, se fosse preciso. Falou consigo mesma. Se os dedos estavam errantes, imagine a voz. Não, ela não podia transmitir insegurança – pelo menos era o que diziam as revistas femininas que ela tanto espiava na banca de jornal. Definitivamente, ainda não era a hora de ligar.

Abriu a porta de vidro da cristaleira. Entre as dúzias de garrafas de uísque do pai, uma de conhaque que ganhara do amigo que tinha ido passar as férias na França. Para tomar num momento especial, ele lhe dissera. Pois bem. Deus não vai permitir um desperdício desses, abrir uma garrafa de conhaque francês para brindar algo que não seja uma vitória, pensou, apesar de questionar dia sim e outro também a existência de deus. Rompeu o lacre, girou a tampa. Tomou no gargalo. Mais. Era preciso sentir a garganta quente. Mais um pouco. Era preciso sentir a garganta queimando. Só mais um gole. Era preciso sequer sentir a garganta.

Pronto. Missão cumprida. Postou-se em frente ao espelho e ensaiou uma música qualquer, de uma dessas divas do pop. Só pra testar a imponência da própria voz. Só pra atestar pra ela própria o quão imponente era. Só pra descontrair antes de tentar, mais uma vez, enfrentar o inimigo: aquele aparelhinho de tela luminosa e teclas touch. Dessa vez, foi certeira ao desbloquear o dispositivo. Uma linha diagonal, outra pra cima, outra para a direita, outra pra baixo, mais uma na diagonal. Ensaiou pela última vez a conversa que teria com ele. Oi, tudo bem? Ah, que bom. Faz tempo que a gente não se fala, né? Como passou os últimos dias? Também senti saudade. Muita. Entrou em cartaz o filme baseado naquele livro que você tanto gosta. Vamos assistir? Prefiro na terça. Claro que pode ser às 20h. Depois a gente aproveita e come alguma coisa. Você vem me buscar? Ótimo. Te espero. Um beijo.

Não. Não podia ser assim, encenado, ensaiado. Relacionamentos não têm script. Conversas a dois não são robotizadas. Não seguem roteiro de atendimento de call center. Ela precisava de uma distração para ser mais natural. Mais segura. Mais ela. Ligou o tablet. Escolheu um jogo. Tetris, que de tão popular, hoje é hipster. A primeira peça era justamente a barrinha laranja. Um desperdício vir logo no começo do jogo. A segunda era uma daquelas difíceis de encaixar, independente das circunstâncias. A terceira, o quadradinho vermelho. Uma sucessão de desarranjos que a fizeram não passar da primeira fase. Ao que ela comemorou. Azar no jogo, sorte no amor, já dizia a sabedoria popular. Sorte no amor.

Com o aval do Tetris, pegou novamente o celular, respirou fundo e discou. Chamou. Chamou mais uma vez. Mais uma, mais uma e mais outra. De novo, again and again. Mais duas, mais três, mais quatro. Caixa postal. Antes do sinal, ela desligou. Não queria deixar mensagem. Sentia-se uma velha em ter que admitir, mas odiava falar com máquinas. Além do mais, era apenas uma ligação casual pra saber como ele estava. Nada de perseguição. Nada de encanação. Nada de paranoia.

Afinal, o beijo dele era bom, mas havia mil e um melhores. Transar com ele era bom, mas ela já tinha se deleitado em lençóis mais calientes. O corpo dele era bom, mas os da TV eram mais bonitos ainda. O carinho dele era bom, mas o do moço do décimo sétimo andar era mais sincero.

Sair novamente com ele seria bom, mas a agenda telefônica estava cheia de novas possibilidades. Próximo.

bruna


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