• Sobre a beleza de ser imperfeita
  • Sobre a beleza de ser imperfeita


    A moça do salão me olha com um ar de pena. “Você tem uma falha na sobrancelha” ela diz. Eu concordo, tenho mesmo. Falha de nascença ou cicatriz. Nem sei o que é, nem de onde veio. Desde que me lembro sempre tive. Ela diz para eu não me preocupar. Ela vai dar um jeito nisso. Com algumas pinceladas de um lápis de olho, a falha/cicatriz some. “Agora está perfeito” ela fala, orgulhosa do seu trabalho. Sei que ela só estava tentando ser gentil, mas eu preferia que ela não tivesse feito aquilo. Eu não quero e nem posso ser perfeita.

    Quando eu tinha dezessete anos fiz uma cirurgia que me deixou com uma cicatriz para o resto da vida. Verdade seja dita, ela só é visível quando eu estou usando um biquíni, mas mesmo assim eu morria de vergonha da cicatriz. Ficava procurando os modelos de biquíni que disfarçassem melhor e o grande pavor da minha vida era pensar o que um menino iria dizer quando ele finalmente visse a cicatriz. Com o tempo eu entendi que pior do que ter essa marca seria nunca ter feito a cirurgia. Hoje, eu e a cicatriz já convivemos bem. São quase dez anos juntas. Muito mais do que qualquer relacionamento que eu tive. Mas mesmo assim, não é um processo simples olhar no espelho e aceitar todas as imperfeições que nós temos.

    Tento gostar de todas as coisas que as revistas de beleza e o mundo da moda tentam me convencer que existe de errado em mim. Gosto bastante dos meus dentes separados que uma médica queria cobrar 700 reais para deixá-los iguais ao de todo mundo.

    Mas não é fácil abraçar e amar tudo o que temos de diferente quando tanta gente diz que estaríamos melhor sem isso. Ainda sofro um pouco para aceitar meu sorriso largo demais que deixa a gengiva a mostra. Desde que um amigo me batizou de “sorriso perpétuo” tenho desgostado menos do meu sorriso “gengivudo”. Tento pensar que é um símbolo de alegria e felicidade plena. Quando vejo em uma foto aquela gengiva bem a mostra, fico presa em um misto de vergonha e orgulho, porque sei que naquele momento eu estava, simplesmente, feliz demais para me importar com as regras do sorriso perfeito.

    Tenho uma pequena lista de imperfeições espalhadas pelo meu corpo. Meu cabelo é um capítulo a parte. Quando eu era adolescente deixei me convencerem de que o meu cabelo ia ser um entrave à minha felicidade. Eu não ia sair bem nas fotos, nem arrumar um namorado e nem ficar mais parecida com as atrizes que eu via na televisão. Afoguei aqueles pobres cachos em tanta química, que hoje eles simplesmente não voltam mais. A química estragou tanto os meus cabelos que hoje eu sou escrava dela.

    Minha mãe já tinha me alertado para um fenômeno que ela chamou de “meninas feitas em série”. São aquelas meninas todas iguais, com o mesmo cabelo, o mesmo rosto, as mesmas roupas, que freqüentam os mesmos lugares e falam das mesmas coisas. Mas quando eu era adolescente tudo o que eu mais queria era ser uma menina feita em série. Nunca consegui. E o que antes era uma frustração, hoje é um alívio. Gosto de olhar uma foto cheia de gente e logo de cara me encontrar na foto, sem ficar meio perdida se eu sou a menina da esquerda ou a da direita. Parei de buscar a perfeição, pois já aprendi que isso é impossível. Não tem como ser maravilhosa às sete horas da manhã, logo depois de acordar e nem às seis horas da tarde, no fim do expediente. Sei que os padrões de beleza não gostam do meu nariz, nem do meu quadril e ficam horrorizados com minha pele “molinha” de quem claramente nunca freqüentou uma academia. Mas eu também fico chocada com o tipo de corpo, de rosto e de cabelo que o mundo implacável da beleza queria que eu tivesse.

    Outro dia desses tirei uma foto linda. Tenho certeza que desse momento até o resto da minha vida, essa é a foto mais linda que eu vou ter de mim mesma. Só tem um problema. Aquela moça da foto não sou eu. Ela se parece comigo, existem grandes semelhanças, como uma prima mais bem cuidada. Mas ela é uma versão minha depois de horas no salão, com toneladas de maquiagem, escova, babyliss e grampos meticulosamente bem posicionados. Gosto de olhar essa foto de vez em quando e ver como eu poderia ser se cinco horas no salão fossem uma rotina na minha vida. Felizmente não é o caso. À medida que vou ficando mais velha tem sido cada vez mais fácil aceitar os meus defeitos. E, coincidência ou não, tenho sido cada vez mais feliz.

    andrea


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