para ler ouvindo: “If You See Her, Say Hello”, de Bob Dylan.
Ele acordou com vontade de fumar. É estranho, geralmente isso nunca acontece. As manchas nas pontas dos dedos denunciam que as noites já costumam ser enfumaçadas, ele não precisa que suas manhãs também sejam. Era uma manhã bonita. Céu azul, sol, era fim de julho, porém inverno. Estava bonito, não estava quente como costumam ser os dias de sol nos trópicos, estava agradável. Não estava agradável o ar em sua volta. Ele não sabia direito qual era a razão. Queria algum significado, pelo menos entender o aperto no peito. Queria um cigarro.
Enrolou um pouco antes de começar sua rotina, que consistia basicamente em encontrar as forças numa xícara de café, tomar banho, vestir qualquer camiseta e sentar diante da tela em branco e rezar para que as palavras cheguem sem doer muito. Nessa enrolada passou os olhos numa rede social de fotos que participa, ainda que seja contra redes sociais virtuais. Só que em vez de fotos, só tinham postado mensagens. Acreditou mais uma vez não pertencer a esse mundo. Lembrou de uma frase de Paulo Francis: “cheguei tarde demais num mundo muito velho”. Algo assim. No meio daquele mar de palavras em vez de imagens que diriam mais do que mil daquelas, citações duvidosas de Clarice, Verissimo, Caio Fernando, Jabor e até do Jô Soares. Não acreditou em nenhuma daquelas frases. Nem sentiu vontade de escrever alguma.
O pescoço doía, mas se sentia mais a fim de ficar ali, com dores no corpo do que atrás de um renovador banho de sol invernal. Talvez ali conseguisse ficar invisível durante um tempo, caso o celular não tocasse. Poderia não atender, depois dizer que estava dirigindo ou no banco, caso cobrassem. Poderia não falar com ninguém, não mandar uma mensagem, nem ler. Nem ler mensagens edificiantes e mentirosas de Clarice, Verissimo, Caio Fernando, Jabor e até do Jô Soares, que os próprios provavelmente nunca escreveram – se escreveram, enganaram. Nutriu uma pequena vontade de que quando não desse mais e tivesse que pisar no chão frio, fosse 1991, 1967 ou até 2010, já estava bom, daria pra fazer uma série de coisas de um jeito diferente.
Olhou para o celular. No fundo, ele sabia. Naquele dia fez três anos. Por onde ela anda? Era meio dia e o aplicativo de troca de mensagens avisou que ela tinha sido vista por último meia hora antes. Pra onde será que ela foi? O pouco dela que sobrou três anos depois vive somente num aplicativo de mensagens instantâneas, num mundo virtual cheio de mensagens falsas de Clarice, Verissimo, Caio Fernando, Jabor e até do Jô Soares. Ela provavelmente deve gostar dessas frases, ele não sabe, não a segue, é melhor assim. Ele quase escreveu uma mensagem, mas diria o quê? Só um “oi” resolveria? Talvez, mas não iria adiante. Se tivesse pulado da cama e enfrentasse o sol gostoso de inverno talvez a encontrasse por aí. Meia hora antes ela tinha sido vista virtualmente, agora já devia ter caído no mundo. Já devia ter programado o dia, estaria almoçando com outro, combinado um fim de semana com outro, outro que nunca deve realmente ter lido Clarice, Verissimo, Caio Fernando, Jabor e até o Jô Soares. Talvez ele só quisesse mesmo dizer “oi”. Caso a veja, diga por mim. Será que por um segundo ela pensou nele e lembrou que três anos se passaram? Não, provavelmente não. O mundo não é assim, uma comédia romântica surreal, um filme com final feliz. O mundo é de mensagens falsas de Clarice, Verissimo, Caio Fernando, Jabor e até do Jô Soares. Ele queria dizer somente um “oi”. Acendeu um cigarro.