• Sobre Expectativas e Decepções –  Mentiras Que Nos Contamos
  • Sobre Expectativas e Decepções –


    Mentiras Que Nos Contamos


    A maior parte das queixas que ouço sobre desilusão amorosa nascem de frustrações que seriam muito previsíveis, pelo menos para quem está de fora. Vou citar um caso bem típico e explicar o que aconteceu de complicador ali: ela estava há muito tempo sem um relacionamento sério, prometeu para si mesma que não se apaixonaria por alguém que fosse falso ou agressivo. Quando conheceu Felipe fez de tudo para não se apaixonar imediatamente, afinal ele parecia ter caído do céu.

    De temperamento tranquilo, Felipe sempre se mostrava amistoso nas suas investidas. Eles saiam com frequência variada e isso não mudou por quase quatro meses. Em determinado dia, mesmo resistindo a esse impulso habitual ela esbravejou sua decepção por descobrir que ele também estava saindo eventualmente com a amiga de uma conhecida. Então ele a lembrou com relutância que a todo momento tinha deixado claro que tinha saído de um relacionamento longo e que queria aproveitar esse momento para se descobrir visto que havia namorado desde muito cedo. Ela replicou que ele não deveria tê-la tratado daquela forma esse tempo todo dando a entender que o relacionamento evoluiria. Quase desistindo de argumentar, frente a tanta fúria, ele disse que jamais trataria ela mal ou com descaso só porque não havia um namoro entre eles e que para ele estava claro que não haveria evolução visto que sempre desconversou nos assuntos desse tipo.

    Em que momento ela passou a associar os encontros casuais como um pedido implícito de namoro? Algumas armadilhas podem ser detectadas aqui:

    1. Crença da evolução natural

    As pessoas acham que a biologia supostamente infalível de nascer, crescer, reproduzir e morrer seria o suficiente para aplicar aos relacionamentos amorosos. Duas pessoas podem passar a vida inteira na pegação sem nenhuma outra perspectiva além dessa. Isso não quer dizer que se odeiam ou não tenham algo de especial, mas apenas não existe um obrigatório e inevitável “próximo passo”.

    2. Crença da reciprocidade

    As crianças não conseguem diferenciar seus sentimentos dos outros. Se está triste pensa que todos estão também, o mesmo acontece com outros sentimentos. A capacidade de diferenciar só vem mais tarde e possibilita perceber que as pessoas têm sentimentos e expectativas diferentes. A ideia de que uma pessoa está necessariamente na mesma sintonia surge dessa limitação do olhar. A reciprocidade não é uma obrigatoriedade social, mas uma opção e, desse modo, não constrange ninguém a corresponder o que outra sente. Se você ama alguém, isso não é o suficiente para provocar amor. A outra pessoa não tem um defeito de fábrica e nem está com medo de se relacionar, só não houve recíproca. Pode acontecer.

    3. Crença do status quo

    Existe uma tendência da mente a solidificar um estado e assim permanecer nele. Se está agindo de um jeito não teria porque agir de outro, certo? Errado. Duas pessoas podem estar juntas e ficarem separadas amanhã, porque tudo muda, às vezes gradualmente e outras não. Alguém que está saindo ocasionalmente há um tempo pode não sair a qualquer momento, portanto deduzir que um acontecimento se repetiria infinitamente por estar acontecendo com frequência é um engano lógico.

    4. Crença da associação de valores-pessoa

    Existe uma tendência da mente de associar estímulos neutros a valores, como pensar no azul e associar a cor ao estado de calma. No campo do comportamento isso acontece também quando se associa uma característica como a beleza à bondade ou altura com força de caráter. Se alguém trata você bem não quer dizer necessariamente que ela tenha ou queira um envolvimento mais sólido, apenas que ela é educada e querida.

    É possível então perceber que aquilo que você acredita que vai acontecer pode ser só uma expectativa que associou por convenção social ou hábito. A decepção, ainda que seja um choque de realidade entre algo imaginado e outro concreto, é sempre proporcional a expectativas não comprovadas pela realidade, mas sustentadas no sonho.


    " Todos os nossos conteúdos do site Casal Sem Vergonha são protegidos por copyright, o que significa que nenhum texto pode ser usado sem a permissão expressa dos criadores do site, mesmo citando a fonte. "