Se a mulher que eu sou hoje conhecesse a menina que eu era há alguns anos, morreria de tédio. É por isso que eu tanto prezo esse irrenunciável direito que todo mundo tem de se reinventar.
Há quem diga que ter personalidade é ser sempre o mesmo. Sempre os mesmos ideais, as mesmas músicas, os mesmos amigos, e as mesmas bebidas. Mas honestamente, tenho preguiça de gente que diz: “Só ouço tal música. Só como tal comida. Só penso de tal forma.” (E dizem de boca cheia, com o transbordante orgulho de quem tem a tal personalidade.) Porque, se olharmos de perto, grandes mudanças exigem muito mais personalidade do que permanecer na zona de conforto. Antes de se reinventar, é preciso saber exatamente quem se é. Só quem se conhece é capaz de tomar uma das atitudes mais difíceis da vida: tirar a venda e olhar para si mesmo. Ou trancar-se no quarto escuro e conversar com os próprios fantasmas. Ou colocar o dedo na ferida pra ver se dói – todas belas metáforas que não significam nada mais do que ter autocrítica.
Ter identidade é diferente de ser estático. Essa obrigação de ser sempre alguém cujas características cabem em uma folha qualquer é um saco. É o que dá espaço para estereótipos e rótulos inúteis. “Você é roqueira? Você é feminista? Você é menina, você é mulher, você é casada, você é maluca?” Eu sou alguém que muda e se permite. Eu sou muito mais do que uma definição de estilo musical, de ideologia, de gênero, de estado civil. Eu sou alguém que se deixa a vontade, e tem coisa melhor nessa vida do que estar à vontade?
A verdade é que as pequenas – e substanciais – mudanças é que fazem quem nós somos de verdade. E a escolha que você faz na hora de mudar também revela muito sobre você. Porque nunca existe um único caminho – para cada linha reta que a gente segue, há algumas dezenas de perpendiculares à esquerda e outras dezenas à direita. E cabe à sua personalidade decidir em qual delas virar. É óbvio – e, nesse mundo de hoje, é preciso explicar o óbvio – que você muda por que o mundo muda. Os amigos mudam, os lugares mudam, e os sentimentos vão mudando junto. Resistir a essa mudança não é ter personalidade: é tentar, inutilmente, burlar o curso natural das coisas. Ter personalidade é manter-se íntegro à sua essência diante das mudanças que a vida te apresenta.
É óbvio que uns mudam mais. Com mais frequência ou com mais intensidade do que outros. E – acredite – nem mesmo essa gente que muda toda segunda-feira eu considero sem personalidade. Gente que muda – desde que se mantenha fiel aos seus valores, que são o que importa nessa vida – é gente com fome de descobrir, de viver, de inventar.
O que eu não entendo, e nem tento, é gente que muda pelo outro. A moça que namora o dono da loja de suplementos e vira fisiculturista. Fica amiga da moça que ouve hip-hop e começa a tirar fotos com boné pala-reta. O cara que começa a andar com o rasta da esquina e, de repente, é o maior fã de Bob Marly, abandonando, sem dó, seus velhos discos de sertanejo. Isso – e apenas isso – é não ter a menor ideia de quem se é.
Verdadeiras mudanças exigem autoconhecimento e maturidade, para que não abandonemos valores ou a nossa essência, mas apenas opiniões. Para que mudemos as companhias, mas os amigos verdadeiros permaneçam por toda a vida. Para que mudemos de religião, mas não de crença. Pra que a gente consiga – quase sempre – se reinventar. É bonito, é saudável e é, sobretudo, necessário.
Mude, mas mude por você. Mude pra se descobrir, pra descobrir o outro, pra descobrir o mundo. Porque cada descoberta é um presente.
Li isto em algum lugar e levo comigo como um mantra: “Eu tenho um orgulho absurdo de ser quem eu sou.” E quem eu sou depende – tão somente – de quantas vezes eu já me permiti mudar.