• Uma Ode Às Lágrimas –  Porque Chorar É Para Os Fortes
  • Uma Ode Às Lágrimas –


    Porque Chorar É Para Os Fortes


    Se eu pudesse subverter a lógica descartiana, eu diria “choro, logo penso, logo existo”. Sou dessas. Que choram, que desaguam, que transbordam ao menor sinal de tempestade. De canção de amor mal resolvido. De filme mamão-com-açúcar. Dessas cujos olhos marejados não raro falam mais do que a boca, mais do que o silêncio, mais do que mil palavras. Dessas que chovem, mesmo sob o sol ardente do semiárido, mesmo em horário de rush em São Paulo, mesmo quando ninguém trouxe guarda-chuva. Dessas que você até já deve ter visto por aí, mas cuja imensa maioria se esconde debaixo dos cobertores, porque ouviu da boca de algum ignorante um vai chorar na cama, que é lugar quente.

    Ninguém, a não ser a minha emoção, me diz onde é que eu devo chorar. Porque chorar não é vergonha nenhuma. Não é crime, não é contravenção, não é sinônimo de fraqueza. Chorar é o maior ato de coragem de um ser humano, porque requer um desprendimento que os ~racionais~ nunca entenderão. Chorar é se desprender de qualquer regra estética – a maquiagem vai por água abaixo, a cara se contorce na tentativa de conter as lágrimas, o nariz fica vermelho, os olhos ficam inchados. E a alma fica transparente. Chorar é não ter medo de se deixar ler por completo – pra quê eu vou abrir um livro se o capítulo final estiver lacrado? Chorar é ser forte a ponto de admitir todas as próprias fraquezas – eu choro porque sou sensível a esse tipo de coisa.

    Pra você, que duvida disso tudo, uma pergunta: você tem colhões para chorar numa reunião com o seu chefe? Porque isso é coisa de gente que tem colhão mesmo. Colhão pra assumir que é humano, sincero e transparente antes de profissional. Colhão pra sair da sala de reunião com a cara inchada, mas, ainda assim, erguida; sentar-se à mesa de trabalho e voltar à labuta com a mesma maestria de sempre. Mas você não deve saber o que é isso, porque provavelmente nunca se permitiu chorar na frente de alguém que não fosse seu amigo mais íntimo ou em algum lugar que não fosse o colinho da mamãe. É que alguém, lá no comecinho da sua vida, fez o desfavor de lhe ensinar que chorar é coisa de gente frouxa. Desde “Papai Noel não dá presente pra criança que chora” até “chorar no ambiente de trabalho é coisa fraca, de gente que não sabe se impor”, eles estão a solta, tolhendo as nossas lágrimas. Independente de qual seja o motivo.

    Eu choro mesmo. Eu, que falo desbocadamente sobre sexo, choro. Eu, que assumo o meu prazer, choro. Eu, que faço resenhas sobre vibradores, choro. Eu, que levanto a bandeira contra o patriarcado, choro. Eu, que uso saias curtas e que brigo com os ~machinhos~ que me passam cantada na rua, choro. Eu, que sou feliz com Molejão, choro. Eu, que amo tanta gente, choro. Eu, que me amo acima de tudo, choro. Porque nada disso é incompatível. E, acima de tudo, porque choro não é sinônimo de tristeza. E por mais que o seu seja, não se reprima: chore. Já dizia o mestre dos mestres, Zeca Baleiro: “sofrimento não é amargura, tristeza não é pecado”. Segura na mão do Zeca e chora. Bota aquela música mela-cueca e chora. Assiste àquela comédia romântica e chora. Vê o menino de rua e chora. Ganha um presente e chora. Chora, que a alma fica limpa e pronta pra próxima.

    Essa história de que chorar é vergonhoso é coisa inventada por gente fraca que quer te dominar – porque quanto menos a gente pensar nas brutalidades ou nas injustiças, menos a gente se comove, e mais banais ficam os absurdos. Ou quanto menos a gente se deixar sensibilizar pelas coisas belas, menos notáveis elas se tornarão e, portanto, mais facilmente destrutíveis. Chorar era sinal de virilidade na Grécia Antiga. E eu, como boa moça viril e portadora de sangue grego, já chorei em frente a chefe em cinco reuniões consecutivas, já chorei depois de gozar, já chorei de comoção ao ver o moço vendendo balinhas no ônibus. Choro ouvindo Elis Regina, chorei quando a Márcia contou que era ama de leite do Félix, choro quando pessoas de que gosto vão embora – seja pra sempre, seja com previsão de volta. Choro quando leio biografias, choro quando minha mãe conta a história do mendigo que juntou moedinhas pra comprar café da manhã no Mc Donalds e já estou quase chorando só de relembrar essa história. Por isso, meus caros, agora é com vocês. Chorem. Porque, dando sentido ao meu neologismo descartiano, chorar é coisa de gente que pensa – e muito. Mas que nunca solta um pensamento no ar sem antes deixá-lo passar pelas entranhas do coração.


    " Todos os nossos conteúdos do site Casal Sem Vergonha são protegidos por copyright, o que significa que nenhum texto pode ser usado sem a permissão expressa dos criadores do site, mesmo citando a fonte. "