• Procura-Se Um Amor Que Goste De Gatos –  Sobre Idealizações E Compatibilidade
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    Sobre Idealizações E Compatibilidade


    Toda mulher que disser que não é exigente está mentindo. Existem dezenas de requisitos. Uma prova eliminatória que descarta sem dó mais de 90% dos candidatos. Que avalia até os que não estão concorrendo, que passam na rua, com mulher e filho. Uma seleção automática, com critérios já tão incorporados que a gente nem se dá conta.

    Um cara legal, que nos trate bem, que seja divertido e minimamente romântico. Que seja parceiro, com valores parecidos e em quem se possa confiar. Já perdi as contas de quantas vezes passei essa descrição para alguma amiga super bem intencionada, que depois trouxe um amigo muito querido para me apresentar. E em menos de três minutos de conversa, eu pensava: “Meu deus…não”. Demorei até conseguir admitir que tudo isso só importa num segundo momento.

    Antes, vem a lista.

    Poderosa, soberana e absolutamente irracional. Estatura mínima, estatura máxima, uso de decote V ou gel no cabelo. Gosto musical, preferências televisivas, presença de desafio, ausência de pelos conversando com você. Regatas são intoleráveis. Colarzinho de coco instiga a sair correndo. Pochete, mocassim, meia preta com tênis e camisetas que remetem à Jamaica enquadram-se na mesma categoria.

    Todo mundo tem uma lista, por mais preconceituosa que ela seja. Adão e Eva por exemplo. Numa dessa se Adão fosse loiro e a Eva tivesse os dedinhos muito feios poderiam passar a vida jogando baralho ou assistindo TV. Faz parte da lista transformar características razoáveis em defeitos incorrigíveis. Num processo autoexecutável, nos dá a capacidade de scannear as festas mais concorridas até chegar à conclusão: “Aqui não tem ninguém pra mim”. Cruel e politicamente incorreta, a lista torna invisíveis os que não preenchem os requisitos, ao mesmo tempo que faz brilhar fluorescentes aqueles que chamo de “os compatíveis”.

    Ele olha, você olha também. De repente se reconhecem, numa conexão tão forte que deixa o mundo em stand-by. Todo o resto silencia. Às vezes é a fila do supermercado, um elevador ou até o metrô às seis da tarde. A sensação que se tem é que se o contexto fosse outro é óbvio que dariam certo. Amariam-se loucamente num domingo de manhã, viajariam no feriado, cantariam juntos as músicas mais cafonas. Quase como um pressentimento, parece que, se de alguma forma ele pudesse pegar o seu telefone, todo o resto estaria encaminhado. E então alguém te pede licença e você percebe que a sua estação já chegou. Você salta e tudo isso seria mesmo um exagero, se não fosse o rosto dele colado no vidro, te olhando na plataforma com cara de quem acaba de perder alguma coisa.

    Porque, mesmo com tantos fatores eliminatórios, somos oito bilhões e uns quebrados no mundo. É bastante improvável que ninguém, entre todos esses bilhões – ou até mesmo entre os quebrados – , satisfaça todos os nossos requisitos. Porém, mais improvável ainda é esse alguém andar no mesmo sentido que a gente. Ele, Tucuruvi-Jabaquara. Você, Jabaquara-Tucuruvi. Não tem jeito. E aí você começa a fazer concessões para aquele menino que está no assento ao lado. Que vai no seu sentido. Que balança no mesmo sacolejo. Os cabelos dele são perfeitamente bagunçados, bem do jeitinho que você gosta, mas ele não usa mocassim. Ok, um All Star tá valendo. Os dedos dele são compridos e com unhas bem cuidadas, mas ele tem um “Carpe diem” tatuado no pulso. Ok, se não for nome de ex-namorada tá valendo. O maxilar dele forma aquele ângulo másculo, mas ele usa colarzinho de coco… Ah, meu filho, aí não há concessão que interceda por nós.


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