Depois de muito me esconder na barra da saia da minha mãe quando criança e de tanto querer que meus peitos não se desenvolvessem na adolescência, cresci uma mulher sem vergonha. Sem vergonha mesmo. Não sei como. Daquelas que elogiam a camisa do cobrador de ônibus, que sobem no palco do teatro quando o ator chama, que fazem amizade na fila do pão, que não ligam de transar com a luz acesa, que conversam até sobre os embargos infringentes com o vizinho no elevador. Afinal, não há nada de feio ou vexatório em mim que eu precise esconder – a não ser o meu narizinho de batata, que só está à mostra por motivos óbvios.
Apesar de ser uma sem vergonha declarada, porém, tenho observado por aí um movimento que me faz querer abrir um buraco no chão e enfiar a cabeça feito uma ema. Podem me chamar de insensível, de chata, de mal amada, de recalcada. Talvez eu realmente seja tudo isso – e mais um pouco. Mas não acho nada admirável essa história de pedidos públicos de casamento ou namoro. Em tempos de redes sociais, em que a conquista só vale se for fotografada – afinal, de que adianta eu conquistar se ninguém tiver a oportunidade de sentir inveja de mim? –, a intimidade parece ter ficado em segundo plano. Um fondue regado a vinho numa noite fria não tem graça se as bocas lambuzadas de queijo não virarem uma foto de Instagram, uma cervejinha num bar não é tão divertida se não se puder fazer check-in no Foursquare, um passeio ao ar livre num dia de sol não tem tanto valor se não rolar pelo menos um post no Facebook esfregando para toda uma timeline a sua felicidade.
E o amor, infelizmente, tem tomado o mesmo rumo. Se pra você um pedido público de casamento é prova de amor, me desculpe: pra mim não passa de coerção e de necessidade de autoafirmação – com o perdão da generalização imprudente. Coerção porque se imagina que a outra pessoa não será capaz de negar – afinal, há uma plateia sedenta por um final feliz e que pode servir como testemunha da insensibilidade daquele que recusou, caso o final não seja assim tão feliz. E necessidade de autoafirmação porque toda megalomania é uma fantasia de poder – ouvir um “sim” em público prova ao mundo (e até a quem não está minimamente interessado nisso) que eu, o namorado perfeito das comédias românticas, provavelmente terei uma vida perfeita e filhos perfeitos com cabelos perfeitos para pentear antes de ir à escola que vai lhes garantir uma educação perfeita.
E assim, roteirizando os relacionamentos interpessoais e ditando regras sobre o que é o namoro ideal, o casamento ideal, a gravidez ideal, os filhos ideais e a velhice ideal, a gente segue exibindo a nossa felicidade antes mesmo de curti-la. Fazendo dela um grande evento, e não uma bela casualidade. Isso é o que a sociedade do espetáculo tem feito com a gente. Somos todos atores de um filme que ainda não se sabe como vai terminar. Vocês, que acreditam na ~magia~ dos pedidos públicos, e eu, que os condeno. Já ouvi namorados se queixarem de que suas namoradas, por mais carinhosas que fossem, não postavam fotos do casal nas redes sociais. E já vi namorada postar foto de namorado novo apenas para mostrar ao ex que ela havia encontrado ~um partido melhor~. Não que eu ache que amor foi feito pra ficar guardado a sete chaves. Nada disso. Amor é pra ser gritado aos sete ventos, é pra contagiar o mundo de sorrisos, é pra inspirar mais amores, é pra virar best-seller. Amor é um crime a ser cometido. Mas desde que o alvo principal de toda e qualquer demonstração de carinho seja a pessoa amada, e não a necessidade particular de esfregar na cara dos outros a sua felicidade.