• Meu decote te dá direitos?  Uma análise da polêmica do BBB
  • Meu decote te dá direitos?


    Uma análise da polêmica do BBB


    As pessoas enxergam e interpretam a realidade da forma que querem – fato que abre espaço para os oportunistas agirem. E justamente por causa dessa possibilidade de interpretação, muita gente acaba se dando mal. Aconteceu recentemente com o caso da louca que espancou o cachorrinho até a morte. No Brasil, quem maltrata animais sai ileso. Por algum motivo ninguém ainda criou a lei óbvia que garante o direito dos bichos contra pessoas covardes. E essa semana, de uma forma semelhante, todo mundo ficou chocado com a história do (suposto?) estupro no BBB – gostando ou não do programa. Estupro é crime, está na lei mas, pelo visto, a lei também é determinada segundo pontos de vistas, já que, nesse caso, ela só reconhece como estupro um ato que envolva violência ou ameaça. Ou seja, até uma acusação tão grave como essa, pode ser manipulada se os argumentos estratégicos forem usados.

    No caso da polêmica do BBB, ninguém viu o que rolou por baixo do edredom. O palpite mais fácil e automático é dizer que a menina sabia direitinho o que estava fazendo e que estava gostando muito da coisa. Mas e se ela estava sendo induzida a fazer algo contra a sua vontade, já que permanecia imóvel enquanto o outro fazia movimentos sob o cobertor? Quando questionada pela produção sobre ter ou não rolado sexo naquele dia, moça teria dito para o diretor do programa que não. Mas será que alguém que bebeu bastante não pode ter esquecido de algumas coisas? E como garantir que ela não tenha negado o fato por pressão ou por vergonha, como vemos acontecer com muitas mulheres vítimas de abuso?

    A sociedade ensina “não seja estuprada” em vez de “não estupre”

    Esse fato isolado é só mais um exemplo de situações embaraçosas que milhares de mulheres mundo a fora vivem dia a dia. A moça do BBB foi só um exemplo que gerou polêmica por estar na TV – fora dela, todos os dias, mulheres que sofrem qualquer tipo de abuso viram apenas estatística. E pior que isso, só mesmo os argumentos que defendem que a culpa nesses casos, é das mulheres. Já falamos sobre isso aqui, abordando exemplo do mesmo nível, somente de menos gravidade – as cantadas indesejadas que as mulheres têm que aturar todos os dias, a vida toda. Cantadas sem respeito, ofensivas, coisa de gente que não consegue olhar uma mulher e deixar o zíper da calça aberto. Se achar no direito de falar qualquer merda que lhe vem a cabeça, somente porque uma mulher está um super decote é coisa de gente oportunista, como explicamos aqui:

    ” No Brasil, é culturalmente aceitável chegar para uma mulher a qual você não conhece e chamá-la de “gostosa”, “delícia” ou dizer que ela tem “uns puta pernão” ou “um bundão de causar inveja“. Já ouvi coisas desse tipo e outras muito piores sem ter antes expressado nenhum desejo por atenção. Já vivi situações também de fulano passar do meu lado da calçada e sussurrar coisas bizarras ao meu ouvido. Não estava de decote, de saltão ou de mini-saia. E mesmo se estivesse. Nenhum deles sabia quem eu era. Nenhum deles sabia que se aquele era um bom momento pra isso – eu poderia estar triste pela morte de um amigo ou estar preocupada com algum assunto do trabalho. E aí, eis que surge um sujeito folgado que se acha no direito de falar o que quiser e pra quem quiser. E ninguém questiona isso.

    E se a mulher revida da forma que deveria revidar, ganha fama de louca e ainda tem que ouvir um “Ihhh, tá de TPM é querida?“. Na boa, de TPM está sua avó. Eu não saio por aí chamando qualquer cara de gostoso porque não me deram a liberdade para tal. E muitos podem estar pensando agora – “Para de reclamar, vai, mulher adora uma inflada no ego.” Adoramos sim, mas quando vem de alguém que tem o direito de estar nessa posição. […]

    Somos os primeiros a criticar a posição inferior ocupada pelas mulheres em diversos países, culturas ou religiões. Ficamos revoltados quando ouvimos que mulheres são apedrejadas em praça pública no Irã por adultério ou por terem feito sexo antes do casamento. E somos os mesmos que achamos aceitáveis as cantadas ou passadas de mão na balada. Pode parecer exagero, mas os dois exemplos são situações de desrespeito – apenas em níveis diferentes. A simples aceitação e conformismo diante da atitude abusiva dos homens que se acham no direito de dizer o que querem, talvez explique um pouco a origem de tantas agressões à mulheres no Brasil. Talvez a solução seja mesmo dar uma de louca – se sentiu ofendida? Grite. Tire satisfação. Chame a polícia. Quando não temos nossos direitos respeitados, temos mesmo que apelar para que algo seja feito. Não faz sentido termos que andar na rua de cabeça baixa porque alguns “sem-noção” não conseguem guardar suas taras para si mesmo. E se você é um deles, faça-me o favor – vai noRedTube e bata uma pra descarregar esses hormônios descontrolados. A gente não tem nada a ver com isso.”

    Os parágrafos acima que se referem a questão das cantadas, se aplica também a esse caso do BBB. Compactuar com um abuso em plena rede nacional (sendo ele estupro provado ou não) e pior – achar isso normal, é regredir um passo grande na questão dos direitos das mulheres. É compactuar em algum grau para que cada dias mais pessoas se achem no direito de desrespeitar o outro, porque interpretaram que tinham esse direito. É como o sujeito que vê o vidro de um carro aberto, e se acha no direito de enfiar a mão e pegar o que quiser lá de dentro. Será que ele realmente acha isso ou apenas usa esse argumento como desculpa para a consciência não pesar? Essa resposta sincera é difícil de se obter. Mais difícil ainda do que a tal da “o que rolou embaixo do edredom?”

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