• Cê não vai ficar comigo, né?
  • Cê não vai ficar comigo, né?


    Teve uma vez este ano, lá pra março, que me vi preso numa armadilha digna de comédia romântica fracassada que passou na Sessão da Tarde. Tava num daqueles rolos que não trepam (também literalmente) e não saem de cima, apesar de todo o contato, coisa e tal. Rolavam telefonemas, recados quase diários, “quero te ver”, “eu também”. Epa, alerta vermelho.

    Quando acontece a tal coisa do “quero te ver” e não sai disso… Olha, não precisa atravessar um deserto e pedir pro Oráculo prever o que vai acontecer. Quer ver, mas não pode. Quer ver, mas o carro quebrou. Quer ver, mas não sabe andar de metrô. Quer ver, mas nãotem tempo essa semana. Nem semana que vem. Nem na outra, porque vai estar doente. Quer ver, mas não pode pegar a porra de um Uber. Quer ver, mas “não vem aqui em casa que a minha mãe não gosta de visita”. Quer ver porra nenhuma, .

    Sabe o pior? Antes da ficha cair, eu percebi que tentava acobertar as desculpas para não admitir o que tava acontecendo. Concordava que as pessoas trabalham muito. Concordava que o preço do Uber é meio caro. Concordava que a mãe poderia ser uma bruaca chata dos infernos, então melhor não incomodar. Concordei tanto que me coloquei numa torre como se eu fosse a Rapunzel, esperando a hora que o Príncipe fosse aparecer para me tirar de lá. Até que o Seu Barriga bateu na porta e me despejou sem dó nem piedade do lugar que eu mesmo construí.

    E a gente faz muito isso. Tem vezes na vida em que o papel de trouxa não é dado pra gente. Nós é que o produzimos com muito gosto e zelo, cuidando de cada parte dele para fazer durar por quanto tempo for necessário. A gente joga pro outro a culpa de tudo ter dado errado e frisa quão sacana os outros foram com a gente (e talvez tenham sido mesmo), mas “a gente aceita o amor que acha que merece”, certo? Em algum momento daquilo tudo, eu aceitei levar aquilo. Você também já deve ter passado por algo desse tipo.

    Eis que me cansei do lenga-lenga e disparei com todas as letras o bom e velho ultimato: “você não quer ficar comigo, ?” e nem precisei de resposta. Saí andando. A vida é muito curta pra gente se prender a âncoras que não valem a viagem ao fundo do mar.

    E disso tudo, trago boas notícias: da mesma maneira em que nós aceitamos entrar nessas furadas, também podemos declinar desse papelão que é estar disponível para alguém que não quer gastar R$ 3,80 numa passagem de ônibus para nos ver. E olha que eles nem precisariam pagar a volta se usassem bilhete único, viu?

    daniel


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