• Sobre os pequenos amores
  • Sobre os pequenos amores


    A gente se encontra no metrô, sem querer. Você de camisa recém passada indo para o trabalho. Eu de roupa de academia, indo fingir que me exercito. Você fala “oi”. Te digo um “oi” entredentes, você sorri e pega meu telefone. Nos falamos por horas, por dias, até entupir o aparelho com gotículas corrosivas de saliva, melada pela intensidade dos amores no começo.

    Nos encontramos numa quinta, num bar de luz fraca e de cerveja forte. Gostamos da mesma banda, cantamos trechos em inglês e viramos outro copo. Tanta coisa em comum, tanto toque de braço sem querer, tanta mão na cintura e na coxa antes de falar “hey, você gosta de …?”-só para manter o assunto orbitando- e tanta frase solta, em cima da mesa suja de amendoim torrado.

    Estamos  nas preliminares das preliminares. Você me seduz e eu permito. Você sorri e eu passo a mão no cabelo. Mesmo ritmo, mesma sintonia. “Na sua casa ou na minha?”, você pergunta e já não importa mais. Qualquer lugar é lugar.

    Continuamos a conversar por horas, “todo dia sim” e “dia também”. Você fala que tá com saudade do meu perfume e eu, que comi dois cachorros quentes na saída do trabalho, aceito teu convite para jantar. No seu apartamento. No meu apartamento. Na casa de praia do amigo-do primo-do vizinho-do seu tio. Mesmo ritmo, mesma sintonia. Qualquer lugar é lugar.

    Então, de repente, você não me manda mensagem pós final de semana. Diz que ” a segunda foi corrida, gata”. Vai dormir e não me liga. Assiste um show da banda que gostamos e não me convida. Vai para uma viagem curta e não me fala. Vai para o Polo Norte coordenar a logística do Papai Noel e não manda um torpedo. Ganha um Nobel da paz por unir torcidas do Flamengo e do Corinthinas e continua na mesma: nem tchum para mim.

    Paramos de falar aos poucos, depois de todo o apego, de toda a rapidez com que nos entendemos de alma e de corpo.  Não sei se a culpa foi minha. Ou se você só estava lá pelo sexo, ou pela cerveja, ou pela falta de expectativa causada pela recessão na economia do país. Fico sem saber se te chamo para um café no fim da tarde, um almoço no domingo, um vinho no sábado, uma foda louca no meio de uma tempestade de granizo no deserto, ou qualquer coisa que te faça responder meu “olá” casual e despretensioso. Você sumiu. Ponto. Eu assumo finalmente.

    E trato de me reacostumar com o celular que não toca e que quando toca não é você. Desfaço os planos de te convidar para aquele filme novo em cartaz, aquela peça de teatro  que tínhamos ouvido falar e aquele futuro hipotético, que só estava no meu amanhã hipotético e nunca deus às caras no teu. Você foi só mais um amor pequeno. Daqueles que vem com tudo, faz trocar noite  pelo dia, pijama por lingerie de seda e macarronada com almôndegas, por saladinha leve-seca-barriga.

    Então constato, teu amor foi daqueles não nascidos, não alimentados e estrangulados pela pressa de amar depressa. Daqueles de uma noite, de uma semana ou de um mês. Daqueles que tiram o sono, o apetite e os pés do chão. Daqueles amores voláteis, que não resistem ao mais leve sinal de intimidade e tédio de tarde de inverno, assistindo filme de mão dada.

    Teu amor é do tipo que vai raspando a pele, devagar, quase inofensivo, mas que acaba de tanto atrito, cortando fundo e deixando a carne à mostra. Esse tipo de amor sem profundidade, também machuca, a gente só custa um pouco para perceber. Porque ele te tortura pela soma dos desencontros da vida. Amores pequenos, juntos, causam feridas grandes demais, que talvez só sejam cicatrizadas pela presença de um grande – e próprio – amor.

    ass_loui (1)


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