O calendário tá marcando o mês errado. Eu confundo as chaves de casa com as chaves do carro. Jogo ping pong com peteca e marco futebol usando cadeiras como traves. Pinto os móveis da sala achando que são os do quarto. Combino as paredes da casa da minha mãe com as cores de Picasso. Ponho quadros de cabeça pra baixo pra ninguém entender.
Acordo penteado, durmo acordado, faço a cama toda vez que deito nela e olha que eu nem sou virginiano. Peguei TOC de deixar as coisas arrumadas, mas eu só ando bagunçado. Limpo o vaso três vezes por semana, papel higiênico aqui em casa agora só se for ecológico. Escovo os dentes sempre que como alguma coisa com medo de que tenha que ligar pro seu dentista. Prefiro evitar a fadiga.
Falei pra sua melhor amiga que eu tô bem pra caralho, mas eu tô usando fotos de dois anos atrás nas redes sociais pra ninguém perceber. Tô indo todo dia pro trabalho, tô me alimentando bem, comecei um negócio de não consumir lactose nem glúten, mas só consegui ficar mal humorado e com vontade de matar todo mundo. Pelo menos, não fico por aí sem rumo. Malho algumas vezes por semana, sinto sua falta todos os dias da semana, tento arrumar as coisas duas vezes por mês.
É engraçada essa coisa de superar alguém, né? Primeiro porque uma vez nunca é igual à outra. Por mais que eu saiba que não vou morrer por você, por mais que eu saiba que já aconteceu outras vezes, eu sempre acho que dessa vez vai ser diferente. Que eu nã ovou conseguir me recuperar. Que eu não vou conseguir voltar ao normal. Que eu não vou conseguir passar por isso. E bate aquele surto de querer mudar tudo só pra parecer que as coisas estão diferentes. E dá-lhe reforma, mudança, novas roupas, novos lugares, novos amigos, novas viagens, novos restaurantes, novos hábitos, novo tudo. Tudo por fora organizado direitinho pra fingir que tá tudo bem. Mas aqui dentro continua tudo igual, tudo bagunçado por tua causa.
Eu sei que eu vou superar você.
(Mas tá foda.)
