De vez em quando me perguntam se eu tenho medo de morrer. “Óbvio que tenho”, respondo. Você também tem, não é mesmo? Eu sei, eu sei… O principal motivo do meu medo, porém, talvez seja diferente do seu: apavoro-me só de pensar na possibilidade de deixar as pessoas que eu amo sozinhas neste mundo áspero e egoísta, principalmente a minha namorada, que vive a dormir de cabelo molhado, atravessar avenidas movimentadas procurando figuras em nuvens e a dizer “eca” para os alimentos integrais.

Apesar de balzaquiana, com cara de adolescente malcriada ela comumente afirma: “Eu sei me cuidar sozinha, viu? Não precisa se preocupar!”. Mas eu me preocupo, o que posso fazer? Preocupo-me o bastante para querer viver, muitos anos, para não deixá-la nem um milésimo na mão. Só de imaginá-la precisando de algo já sinto um aperto no peito, sério.

“E nos dias em que ela voltar do trabalho se sentindo sufocada, carecendo de colo e bombom recheado de avelã, quem deixará as planilhas urgentes para depois só para tentar fazê-la respirar melhor? Quem saíra de madrugada, num frio de encolher o saco, só para comprar o bolo Red Velvet que ela ama? Quem voltará da feira com os dedos arroxeados por causa das sacolas lotadas de jabuticabas e quitutes que a fazem sorrir?”, penso, e logo me sinto apreensivo. Afinal, da forma que eu a amo, e me importo com ela, não será fácil encontrar por aí.

Se acontecer de eu bater as botas – hipótese que não podemos desconsiderar -, no entanto, realmente espero que ela encontre alguém que a ame tanto quanto eu – ou mais, por que não? Morto não sente ciúme, suponho. Além disso, se eu partir antes dela, desejo que ela ache um amor que, em momentos de fome, não fique tão ranzinza quanto eu, e que saiba dançar, ao menos, um dois-pra-lá-depois-pra-cá; alguém que, por ciência da enxaqueca que pimenta causa nela, leia, com atenção, o rótulo de todas as coisas antes de comprá-la, e que pergunte “Tem certeza?”, sem medo de parecer repetitivo, ao garçom que não passou muita segurança ao afirmar: “Malagueta só no molho que vem à parte “.

Enquanto estiver por aqui, sei que darei conta do recado e que, por ela, sempre que preciso, brigarei com bandidos e ursos pardos. Mas e se por azar um urubu for sugado pela turbina do meu avião e eu não sobreviver à queda, hein? E se eu for picado por uma mamba-negra numa viagem à África, hein? E se… Quem vai zelar por ela e, a todo custo, protegê-la de “amigos” invejosos, baratas voadoras e do tédio que nasce, religiosamente, no fim do domingo? Quem acordará cedo num sabadão, antes mesmo do fim do sono, para que ela acorde e, imediatamente, sorria ao se deparar com uma bandeja de café cheia de lactose, glúten e outras proibições da moda que ela adora ingerir? Quem a “obrigará”, todas as noites, a tomar vitamina C? Quem fará silêncio e engolirá chuvas de sapos pelo bem da relação, por saber que ela não é ela quando está de TPM? Quem abrirá o frasquinho de acetona quando ela estiver com a unha recém-feita? Quem lavará as louças do almoço, limpará a areia do gato e fará o supermercado da semana? Quem ligará ao pintor para reclamar do atraso? Quem telefonará à Net – e aguentará séculos esperando na linha – para perguntar o motivo da falta de sinal? Quem a amará, ainda mais, nos dias em que ela parece não se amar nem um pouco? Quem a esquentará no inverno, quando ela sair do banho mais fria do que aperto de mão inglês? E quem vai aguentá-la no verão, reclamando, todos os dias, do calor?

É por essas e outras dúvidas que morro medo da morte. Entendeu agora? Aliás, falando nisso, quero que ela fique com os direitos autorais dos meus livros se eu, por raio ou outra merda, empacotar, ok? Não é muito, eu sei, mas ela poderá usar para comprar tortas de massas que não esfarelam, chocolates bem amargos, sapatos de bico quadrado, utensílios para cozinha com estampa de bolinhas e outras coisas que ela adora e que outros, por desatenção, não perceberiam.

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