• Prefiro a balada do meu sofá
  • Prefiro a balada do meu sofá


    Por muitos anos eu fui um cara da noite, da madrugada, que curtia várias fitas, várias baladas. Escrevi “fui” porque, há pouco tempo – depois de um memorável piquenique no parque -, concluí: eu não sou mais o mesmo, deixei de ser o corujão que amava, incondicionalmente, a madrugada. Concluí? Aceitei, melhor dizendo. Aceitei que, agora, tô muito mais para um bicho do dia; vespertino, para ser mais específico. Não só isso: hoje eu tô mais saudável (longe de ser Pugliesi, óbvio) e menos bebum (também não virei monge).

    Lá pelos meus vinte e poucos anos, eu curtia passar noites em claro, quicando de bar em bar e, quase sempre, terminado em baladas que só acabavam quando o dia já estava pra lá de nascido e ofuscante. Sentia-me um verdadeiro Bolt da boemia quando retornava à minha casa só depois das dez da matina e nas vezes em que – apesar do uísque no sangue, do cheiro de cigarro impregnado nos dedos e da indisfarçável cara de anteontem – eu ia direto ao trabalho. Ia direto e dava conta do recado, pode perguntar ao meu ex-chefe se não acredita em mim.

    Hoje, porém, só de me lembrar das nights que varei movido à vodca de garrafa plástica e músicas ensurdecedoras que inviabilizam qualquer papo decente, já fico cansado. Não sei como eu conseguia fazer planilhas complexas e reuniões infinitas no dia seguinte, sério mesmo. Na atual conjuntura, se eu não tomar cuidado e alguns copos de água, uma sentada rápida no bar já me transforma em umwalking dead incapaz de fazer atividades simples como descolar o corpo da cama e tomar banho. Não tô zoando. Às vezes, depois de umas doses a mais (doses que, em outros tempos, não me impediriam de marcar gols em peladas “churrasquianas”), flagro-me enrolado no lençol, fazendo promessas que começam com “Eu nunca mais vou…” e procurando, no smartphone, receitas milagrosas para combater ressacas incapacitantes.

    Eu sei que, para alguns (vide Vinicius de Moraes, Lemmy Kilmister e Keith Richards), a vida boemia nível extremo funcionou bem até a “melhor idade” (é assim que devemos denominar a velhice hoje em dia, ouvi dizer). Para mim, no entanto, a vida noturna – e todo o pacote atrelado a ela – começou a tirar mais do que dava lá pelos 27 anos (hoje tenho 30), e demorei um bocado a perceber. Na real, eu não queria perceber/aceitar. Saca? Queria que funcionasse para mim da mesma forma que funcionou a artistas que admiro – se é que funcionou mesmo, né? Só sei que, no meu caso, não funciona. Está claro! E está claro, também, que posso ser artista e, ao mesmo tempo, beber com moderação, comer arroz integral (ainda prefiro o branco, mas…), correr no parque de manhã e voltar para casa antes da meia-noite; coisas que, por apego cego a rótulos clichês (“sou poeta, e poeta precisa ser autodestrutivo, boêmio e avesso a atividades físicas”), eu considerava incompatíveis àquilo que busco, desconsiderando-as antes mesmo de testá-las.

    Se ainda saio tarde da noite? Claro que saio. Afinal, pessoas queridas se casam e me convidam. Além disso, tenho amigos animados que resolvem comemorar o aniversário em locais que só abrem quando começo a bocejar. Então… Quando eu posso decidir a hora e o local, porém, tenho preferido atividades que começam lá pelas 17h00 e que, por volta das 23h00, já estão terminando. E quando estou voltando para casa, ao passar em frente a baladas – coisa que costumo fazer propositalmente, assumo -, sinto um estranho prazer. Vejo o povo de pé, sobre saltos homéricos e sapatos escolhidos – antes de tudo – para encantar, e penso: “Quando eles estiverem lá dentro, precisando berrar para comunicar qualquer amenidade e com dor na panturrilha, eu estarei em casa, de banho tomado, descalço, dentro de um pijama confortabilíssimo e assistindo à minha série preferida na Netflix”. Você também sente isso? É uma sensação de conforto que nasce da visualização do desconforto alheio, algo muito parecido com aquilo que brota quando alguém nos diz que precisa acordar num dia em que não temos hora para nada ou quando assistimos àqueles programas de sobrevivência no Discovery. Não que baladas sejam tão desconfortáveis quanto dormir na floresta e comer grilos. Se bem que na floresta, depois de fazer fogo, rola de trocar uma ideia à pampa, e apesar da presença dos mosquitos, não tem aqueles… Deixa pra lá!

    Só sei que não me sinto mais culpado – nem velho! – quando colo em casa sóbrio na hora em que os vizinhos de cima estão saindo para iniciar a calibragem. Eu já fui como eles, contudo, hoje eu tô mais para um chopinho no final do domingo que termina junto com o Faustão e para as tantas coisas que conseguirei aproveitar no dia seguinte se beber sem perder as rédeas. Hoje eu tô in love por Stranger Things, interessado em promoções de edredom de algodão egípcio e à procura de receitas capazes de fazer bem à saúde sem desagradar o paladar (elas existem, juro). Hoje eu não troco o combo “cinema + jantar” por VIP em camarote algum, mesmo se for open bar. Hoje eu quero mais ordem e menos confusão, mais regra e menos descontrole, mais tarde preguiçosa no sofá regada a bolo e café e menos, muito menos, programação etílica-obscura-infinita-corrosiva capaz de neutralizar o dia seguinte.

    Se um dia eu sentir muita saudade de caos e dos demônios da madruga, eu sei que nada me impedirá de resgatar as olheiras perdidas e tentar, pela milésima vez, aprender a dançar sem me sentir um gringo no Carnaval. No momento, porém, eu tô é a fim de correr atrás da vitamina D que deixei passar em minha época mais vampiresca e descobrir mais rolês que podem ser eternizados sem a necessidade de álcool como protagonista e câmeras com flash.

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