• Manifesto pelo direito de  não visualizar sua mensagem
  • Manifesto pelo direito de


    não visualizar sua mensagem


    As redes sociais nos ganharam, serviços de mensagens transformaram carteiros em entregadores de documentos e contas que, definitivamente, não queremos receber. Acostumamos com a troca rápida e urgente de informação e exigimos de todos, esta mesma urgência. Seríamos nós, então, uma geração fadada a não ter direito ao silêncio? Somos obrigados, pela etiqueta moderna, a manter uma conversa sob a pressão de duas pequenas setas azuis?

    Mas e faz como para  ter um mínimo de privacidade sem brigar por ela? Ou para ficar tranquilo quando o telefone descarrega, para não pirar com o pacote-bosta de dados, para ir ao banheiro sem carregar o aparelho junto e para ouvir, com atenção, quem está do nosso lado tentando falar desesperadamente?

    Não, eu não estou questionando os benefícios da tecnologia, pelo contrário, agradeço o quanto ela ajuda a aproximar corações distantes e separados por terríveis limites geográficos. O problema é este hábito que estamos criando, de responder mensagens sem parar para pensar, assim que elas chegam, de não ficar 10 minutos offline, de estar sempre esperando alguém dar sinal de vida, mandar um torpedo ou atualizar o status. Estamos acorrentando nosso  smartphone na palma da mão com tanta força que as ciganas já nem sabem mais quais linhas devem ler.

    E a cobrança por se manter online é cada vez maior. Outro dia, por exemplo, levei uma bronca daquelas que só um grande amigo pode dar, mais uma dentre tantas: “por que você não respondeu minha mensagem?”, ele gritou num áudio. A frase terminou com um palavrão que, em respeito aos leitores mais recatados, não vou mencionar. Pensei comigo e meus botões: “porque não quis” e novamente não respondi, o que deve ter instigado uma nova leva de xingamentos do outro lado da linha.

    Ok, minha resposta silenciosa é rude, mas eu, como boa libriana, posso e devo explicar melhor meu ponto de vista (antes de ser apedrejada em praça púbica). Não foi por maldade ou por falta de afeto. Juro de dedinho! Talvez eu esteja ficando mais egoísta com meu escasso tempo livre, isso eu concordo. Mas, de qualquer forma, estou apenas usufruindo do meu direito de permanecer calada, direito sagrado dado a mim por todos os agentes do FBI, de todas as séries policiais que eu já assisti. E não dá para discordar deles, né!?

    O fato é que às vezes a gente só quer duas aspirinas, uma xícara de café e um livro num cantinho sossegado. Mas a luzinha do celular fica gritando que tem alguém querendo conversar, bater um papo ou teclar, como se dizia nos saudosos (não tão distantes) tempos da internet discada. Então seu momento de paz acaba substituído por uma culpa ansiosa e, quando percebe, lá está você respondendo aos cumprimentos no grupo da família, aos recados do trabalho e também aquele fulaninho que pegou seu numero sabe-se lá com quem. Dessa forma a hora passa e o dia some num vão que ninguém enxerga. Quando cai em si, você percebe que não curtiu o show, porque precisava enviar uma foto. Não jogou papo fora no boteco, porque estava respondendo alguém. Não entrou no chuveiro sem antes avisar “hey, to indo pro banho, depois a gente conversa“. E, vive, constantemente com medo de deixar alguém sem resposta e acabar sendo mal interpretado, sem notar que, muitas vezes, está ampliando a saudade de quem está por perto.

    Por isso, ao meu amigo cuja mensagem não visualizei, realmente peço desculpas. Mas sabe, no momento da sua mensagem eu talvez estivesse resolvendo um perrengue daqueles bem grandes, ou passando minhas incontáveis camadas de rímel, completamente atrasada para o trabalho. Poderia, também, estar ouvindo alguém, dando atenção a alguma história, comprando rosquinhas na padaria ou, simplesmente, sentada no banquinho da praça olhando para uma nuvem com formato de unicórnio. De qualquer forma, acredite, não é por gostar mais, ou menos de você, é apenas vontade de prestar atenção nas sutilezas da vida. Eu quero reparar no vento balançando as folhas amareladas daquela árvore na beirada do trilho. Quero ficar envolvida  com a música no meu fone de ouvido,  enquanto tomo meu cappuccino numa xícara fumegante. Quero rir descontroladamente da piada que acabei de escutar, desenhar com canetinhas coloridas, ao lado do meu sobrinho e viver cada segundo, com o respeito que o ato merece. Sem neura.

    Então sério, relaxa, se eu não respondi, tudo bem… Sua mensagem não caiu num buraco de minhoca. Qualquer hora dessas eu respondo. Quem sabe a gente até marca um café, põe o papo em dia, com direito a olho no olho, abraço de olá e beijo no rosto na despedida. Apenas entenda, tem coisa demais ao meu redor, a vida é uma jornada e eu não quero olhar a paisagem pela telinha do meu telefone. Não, não! Quero é deitar na grama e me embalar pela serenidade de quem ainda mantém olhos e coração abertos. De quem espera e anseia por algo além de um áudio gravado às pressas. Quero estar pronta para muito mais e quero, acima de tudo, ouvir os sons do mundo.

    ass-  loui


    " Todos os nossos conteúdos do site Casal Sem Vergonha são protegidos por copyright, o que significa que nenhum texto pode ser usado sem a permissão expressa dos criadores do site, mesmo citando a fonte. "