• Sou do Bloco do Netflix
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    “Nossa folia será diferente: não terá abadá, ‘Mamãe eu quero’ e mascarados. E estamos mais do que felizes por isso, acredite!”, afirmei. Mas não bastou para convencê-lo de que realmente queremos pegar a contramão do tradicional Carnaval tupiniquim.

    “Tem mesmo certeza de que passarão o Carnaval no meio do mato, sozinhos?”, ele – o amigo que só me parece feliz quando está bêbado e na balada – me perguntou, encarando-me com nítida expressão de pena, como se eu tivesse acabado de anunciar algo como: “Passaremos sangue bovino no corpo e pularemos em um rio cheio de piranhas!” Ou: “Vamos sair de Rolex no pulso na orla do Guarujá!”.

    Ele quer muito nos levar para o agito, onde eu silêncio e o rock não têm vez. Mas vamos nos entocar no mato, já decidimos, avisamos, reavisamos. E nada – nem “A cerveja é por nossa conta!” – mudará nossos planos. Ouviu?

    Deixarei o Carnaval – e, consequentemente, os bêbados de fralda, as multidões suando Skol e os trios elétricos que deixam no ouvido um quase eterno “piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii”… – aos que gostam dele, simples assim. Não os culpo nem os considero menos inteligentes do que eu porque são foliões convictos, com samba no pé e sede para mostrá-lo. Só não tô na mesma que eles, saca? Mas o que seria do Netflix se todos gostassem de sair por aí cantarolando “Me dá um dinheiro aí”, né?

    Neste ano, do Carnaval eu vestirei apenas o direito de não trabalhar e, provavelmente, a deprê que bate na Quarta-feira de Cinzas. Nada mais. E por mais estranho que isso possa parecer àqueles que passam o ano inteiro preparando a panturrilha para a avenida, estou muito feliz por saber que assistirei às primeiras temporadas da série Arquivo X (sim, comecei só agora) enquanto, na TV, jurados estarão a dar “dez, nota dez”.

    Minha avó, a dona da casa em que passarei o Carnaval com a minha namorada, já me ligou para avisar onde esconderá as chaves e como eu faço para ligar a bomba que enche o chuveiro. E depois dos vários “Não precisa se preocupar com a gente, vó!”, que eu repeti por educação, avisou: “Dentro da geladeira, deixarei strogonoff de frango, salada de maionese, arroz, curau, arroz-doce, molho de tomate, aquela pimenta que… E, sobre a mesa, um bolinho simples (aposto em bolo sabor bolo, saca? Ótimo pra mandar com requeijão e a qualquer hora do dia), tá?” Ou seja, que tipo de argumento pode ser potente o bastante para nos fazer desistir deste carna-sossego-comilança-com-aroma-rural? Uma viagem para Roma com tudo pago e direito a um open bar de brusquetas? Só assim. Ou um: “Se não for – e deixar os rangos deliciosos da sua avó estragarem -, seu próximo livro venderá mais do que Paulo Coelho”.

    Nada contra a Timbalada, porém, quando ela estiver fazendo muito “tum-tum” em algum canto da Bahia, eu estarei admirando o repertório monotemático dos bem-te-vis e a beleza dos tucanos. Nada contra os fanfarrões que se vestirão de Jack Sparrow e jogarão confetes para o alto, eu, contudo, estarei dentro de um pijama enquanto esse fenômeno surreal estiver rolando solto; dentro de um pijama e de um quarto à prova de serpentinas e crianças endiabradas que adoram dar uma de naja cuspideira, atirando espuma em direção a nossos olhos.

    Para muitos, pode parecer um Carnaval desperdiçado, jogado no lixo. Eu sei, eu sei. Penso o mesmo quando me imagino vestindo uma fralda e testando os limites do meu desodorante enquanto me embriago de cerveja quente ao som de Wesley Safadão. Mas o que seria dos Red Hot Chili Peppers se todos curtissem Chiclete com Banana, não é mesmo?

    Só sei que o Carnaval me parece a oportunidade perfeita para socar salada de maionese dentro de pães franceses e assistir a séries até o peso da pálpebra ficar insustentável. E para beijar, pela milésima profunda vez, uma boca repetida; enquanto alguns estarão se vangloriando porque acabaram de tocar, por uma única rasa vez, a milésima boca inédita do dia; da qual nunca saberão nada, nem o nome nem o telefone nem o gosto.

    ass-ricardo


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