• Carta aberta aos canalhas
  • Carta aberta aos canalhas


    Canalhas,

    Eu já fui um de vocês, confesso. Em mesas de bar e churrascos pós-pelada, gabava-me, sem qualquer vermelhidão no rosto, das mulheres que enganava com falsas declarações de amor, ligações que fingia não ouvir e desculpas esfarrapadas que dava para justificar os meus sumiços homéricos.

    Eu já fui do time de vocês, assumo. Traía sem o mínimo peso na consciência ou arrependimento. Pior: orgulhava-me da capacidade que tinha de ser Judas sem deixar pegadas ou fios de cabelo capazes de me incriminar, como se existisse algum mérito em ser bom na realização de algo ruim, que machuca os outros. Mas não existe, já constatei.

    Como vocês, eu só me encantava pelas histórias protagonizadas por personagens que deixam mocinhas aos prantos, soluçando por promessas sem qualquer validade. Não via graça alguma em heróis de verdade, que por respeito e vontade de honrarem as palavras que dizem, abrem mão de bundas cinematográficas sem se deixarem influenciar pelas tantas vezes em que, por isso, dos companheiros ainda ouvirão: “Você é burro!”.

    Eu já fui um grandessíssimo canalha, acredite. Mas, felizmente, virei casaca: hoje jogo no time dos que se vangloriam porque dão extremo valor à honestidade, ao respeito e a atitudes que, apesar de não gerarem “Você é o cara!” em botecos lotados de pinga e testosterona, são sinais de caráter, de empatia. E quer saber? Estou feliz à beça por ter evoluído o bastante para perceber que “o cara”, de fato, é aquele que demonstra se importar com o coração das pessoas com quem se relaciona, seja por uma rapidinha, seja por uma vida.

    Eu sei que cresceu rodeado por gente que lhe aplaude quando você conta que enganou sua namorada, gente que certamente lhe chamará de bunda mole se declarar: “Faço questão de ser fiel!” Eu sei, meu caro. Eu sei porque moro no mesmo planeta, num país que dá muita moral aos cafajestes e que vive a falar: “O bonzinho só se fode!” Porém, se me permite me um conselho de parça: aposente-se da canalhice, o quanto antes. Ou continuará agindo de maneira irresponsável e extremamente infantilóide, que escancara o quanto você ainda não amadureceu o suficiente para perceber que brincar com o coração dos outros, definitivamente, não é coisa de adulto. Nem de gente inteligente. Você não é capaz de notar que, aquilo que tem tratado como brincadeira, apenas, tem partido, seriamente, o coração de muita gente? Pois está partindo, basta parar de olhar somente ao seu umbigo para notar.

    Vejo que existe, em nossa cultura, a ideia de que o canalha é emocionalmente mais forte do que os outros tipos, por ser capaz de partir sorrindo, sempre, enquanto deixa rios de lágrimas pelo caminho. Mas se trata de uma percepção enganosa, pode apostar. Pois o canalha não passa de um covarde que morre de medo das responsabilidades inevitáveis em uma relação honesta e adulta, um ser que escolhe o desapego por pavor dos riscos inerentes ao apego, mesmo que mínimo. O canalha é um egoísta sem tamanho, “umbiguista” a ponto de não notar que a maneira que escolheu para se autopreservar é, também, um jeito de destruir todos com quem se relaciona, mesmo que apenas por uma noite de verão. O canalha, apesar dos tantos elogios que vive a receber em churrascos e filmes de ação, não passa de um bunda mole, de alguém que ainda não está pronto para aquilo que o mundo dos relacionamentos exige. E eu, quando percebi isso, decidi abandonar o barco dos canalhas, na hora, e me tornar um homem corajoso o bastante para não fazer com os outros aquilo que odiaria que fizessem comigo.

    E você, quando é que conseguirá a coragem para ser um ex-canalha? Ou continuará se contentando com o elogio que recebe de outros covardes como você, pelo resto da vida?

    ass-ricardo


    " Todos os nossos conteúdos do site Casal Sem Vergonha são protegidos por copyright, o que significa que nenhum texto pode ser usado sem a permissão expressa dos criadores do site, mesmo citando a fonte. "