• Não insista mais em nós
  • Não insista mais em nós


    Se um dia você começar a achar as minhas sinceras declarações de amor bregas, irritantes e sem sentido, por favor, seja corajosa o bastante para não permitir que permaneçamos presos a uma relação já arruinada, com múltiplas fraturas expostas por coices desnecessários e visivelmente impossível de ser reparada por nós; pois, muito provavelmente, já teremos perdido, totalmente e sem chance de recuperação, a essencial capacidade de reparar nas coisas que de fato importam.

    Se um dia você enjoar do gosto dos meus beijos e perceber que a minha boca já não mata mais a gana da sua, por favor, diga-me: “Meu bem, o nosso açúcar acabou, o coração do nosso romance caiu do telhado e o nosso love, infelizmente, tornou-se apenas medo de recomeçar, pavor de descobrirmos que ficaremos bem melhor em outros braços e incapacidade de aceitarmos os tantos planos que deixaremos pela metade, eternamente presos a e-mails que começam com um esperançoso ‘Um dia vamos…’ e que terminam com um ilusório, agora eu sei, ‘Para sempre!’.”

    Se um dia, ao invés de roer as unhas e sofrer quando não souber a causa do meu atraso, você se pegar torcendo para que eu desista de passar aí ou para que o meu chefe me obrigue a trabalhar até mais tarde, por favor, não insista mais em nós, nem mais um café na cama ou uma viagem ao Alabama; apenas livre-se de mim, livre-me de você, livre-nos da falta de coragem para abandonar o navio de casco nitidamente rachado. Livre-se, urgentemente, da voz interna e covarde que tentará lhe enganar dizendo algo como: “A vontade de ficar com ele renascerá, você verá!”. Ou: “O tempo vai curar o bode que você pegou dele”.

    E, se depois de várias tentativas concedidas em vão, eu lhe pedir para que dê mais uma chance a uma relação já sem caretas, confissões apaixonadas e papos que incitam o acréscimo de novas saideiras, por favor, pelo nosso bem e para que uma história tão linda não termine afogada por asfixiantes sessões de silêncio, seja firme, diga que não dá mais para nós e não permita, mesmo se sentir um nó indesatável brotando em sua goela, que as minhas pálpebras inchadas e súplicas desesperadas lhe façam mudar de ideia, e aceitar, mais uma vez, sexo só para cumprir tabela, selinhos áridos e por educação e domingos sem gosto de pipoca e raiva de cinemas que têm poltronas cujos apoios de braço não levantam.

    Mas, até “lá” – e para que as horripilantes hipóteses que levantei acima nunca se concretizem! -, eu prometo que continuarei a assistir à TV quase no mudo, só para não lhe acordar com o som das explosões provocadas pelos meus heróis favoritos.

    Prometo que, com abraços constritores e olhares que dizem “Vai ficar tudo bem!”, eu lhe darei oxigênio quando você ameaçar sufocar ao perceber que a vida – esta que hoje enfrentamos de mãos dadas e arrepios compartilhados – está cheia de variáveis totalmente incontroláveis e capazes de eclipsar até mesmo o solão de Santiago, aquele que um dia foi expectador de uma tarde regada a doses de pisco sour e a múltiplos elogios sinceros à parceria que o tempo e a convivência harmônica nos incentivaram a construir. Prometo que mesmo depois de um dia daqueles – do tipo que nos debilita mais do que uma surra -, eu ainda encontrarei forças para fazer o seu macarrão preferido, o de berinjela com manjericão. Ou para fazer um mingau, e mexer, e mexer, e mexer, sem parar, só para não empelotar. Prometo que serei compreensivo quando você, por dor de cabeça ou uma daquelas tristezas que vêm sem convite ou causa definida, perguntar se podemos trocar a bebedeira há tempos planejada por qualquer porcaria na TV. Prometo que vou resistir, bravamente, à vontade de assistir, antes de você, aos capítulos das séries que combinamos de acompanhar juntos. Prometo que não darei importância àquilo que você disser nos dias em que estiver possuída pelo El Chico, porque sei que é mais forte do que você e que não há exorcista capaz de expulsar o capeta que, sem permissão ou “Tô chegando!”, cola na sua grade todo mês. Prometo que, nos dias frios – se é que eles ainda existem, né? – não ligarei se você resolver esquentar seus pés de iceberg em minhas coxas. E que, nas noites quentes, eu não terei preguiça de fabricar Mojitos estupidamente gelados. Prometo ser namorado, do tipo que aproveita o escurinho do cinema para caminhar com os dedos por baixo do seu vestido, mesmo se um dia você resolver me chamar de marido. Prometo que farei de tudo para cumprir o prometido aqui e para que a nossa história, mesmo se tiver um fim diferente daquele que desejamos quando estamos embolados, nus e com os batimentos ainda acelerados, seja o mais inesquecível capítulo de nossas vidas, do tipo que fará com que o leitor sem fé no amor duvide do que escreverei a seguir: “Este texto foi baseado em fatos e intenções reais”.

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