Você não é obrigada a atrasar seus relógios e adiantar as vontades só porque alguém implora, suplica, exige, aperta seu braço, puxa seus cabelos e insinua que você tem que. Tem que. Tem o quê? Que abrir mão de você pra concretizar os fetiches sádicos de alguém que não se preocupa se você cai da cama durante o sexo, se você vai bem e como foi a semana? Não sabem, não perguntam, não se importam. Você só existe pra satisfazer ao ego inflamado e disfarçado de amor.
Você se sente mal e ele não vê. Não vê porque escolheu enxergar o próprio umbigo, numa espécie de Heliocentrismo que te machuca porque, bem, você ama, não é? E dói mais ainda porque não tem dedo marcado na pele, não tem metralhadora de desaforos, não tem briga que marque mais do que a que machuca aqui dentro. É esse tipo de violência que você não denuncia, não percebe, mas sente. Sente tanto e só conta pro travesseiro, sente tanto e esconde por trás de um sorriso bobo porque uma hora ou outra ele volta e pede desculpas antes de recomeçar o ciclo.
Você se sente acuada, sendo que nessa vida você poderia se libertar a qualquer momento dele. Ele parece casulo, você borboleta. Em vez de te fazer sentir nova, revigorada, abraçada, com apoio pro dia pesado de trabalho, pra enxaqueca semanal, ele cria o processo contrário: te tira as asas e te transforma em larva de novo. E você vive esperando a primavera, uma hora ele chega, uma hora ele muda, você diz. Mas não percebe que não importa se tem álcool ou não em casa, se o humor vai bem ou mal, ele te viola. Viola o que você tem de mais precioso: seu corpo e as suas formas de sentir. Viola o que você sente e machuca duplamente a sua pele e o seu peito.
Bem, você não é obrigada a isso, você não precisa engolir nada. Nada que ele te obrigue – sentimental ou brutalmente – a engolir, desce. Fica entalado na garganta e uma hora você vai sentir vontade de botar pra fora, vomitar tudo nele. Uma hora você olha pro lado e cansa, porque amor nenhum machuca, uma hora cê percebe isso. Percebe a violência e a falta de cuidado, percebe o desmazelo e a falta de afeto. É o cara-que-tinha-tudo-pra-ser-seu-amor e decidiu não ser. Decidiu ser o monstro do qual você corria quando era mais nova, aquele que seus pais diziam estar escondido debaixo da cama. Lembra de como você enfrentou o monstro? Então, esse é só mais um. E você não é obrigado a deixá-lo dormir na mesma cama que você. Você não é obrigada a nada.