• Não se contente com um amor de migalhas
  • Não se contente com um amor de migalhas


    Era uma vez Juliana, menina de andar descompromissado, cabelos acastanhados e olhos que sorriem delicadamente ao menor sinal de um abraço. Juliana faria 35 anos ao final da primavera, e de antemão já preparava o pote de sorvete sortido para afogar as mágoas de não ter se casado com o Paulinho 10 anos antes ou tido os 4 filhos que sua mãe sempre sonhou. Ela se contentaria com dois, é verdade, mas estava disposta a satisfazer os desejos invasivos e maternais do restante da família.

    Doía, era inegável. A solidão é uma condição realmente assustadora. Coloca a gente no cantinho mais escuro do quarto, envolve nossos sonhos e esperanças em um manto de desespero, e aperta nossos sentimentos mais bonitos com a mão amarga da ansiedade, que colore de negro breu toda a felicidade plantada pelo caminho. Quando se assustou o medo já havia tomado conta de todas as escolhas, a angústia já limitava a travessia, e a grama do vizinho já tinha ganhado uma tonalidade de verde tão bonita, que Juliana se esquecera de como as suas florzinhas também eram singelas e delicadas no seu próprio tempo. A pressão social para se adequar a um padrão, aliada ao desgosto de não ter realizado alguns dos seus sonhos pessoais, comprometeram tanto Juliana emocionalmente, que agora ela não sabe mais como é viver a vida assim, pé ante pé, do jeitinho que ela é.

    Juliana vivia em constante covardia. Medo de ficar sozinha sem ter alguém com quem dividir aquele milk shake de nutella no domingo a tarde, medo de ser tarde demais para engravidar ou entrar deslumbrante naquele vestido branco na igreja, medo de “ficar para titia” e não construir uma família para chamar de sua, medo de dar tempo ao tempo e no fim não sobrar nem mais um segundo do relógio para fazer acontecer tudo aquilo que sempre almejou para a sua vida. Medo de esperar demais, ser exigente demais, perder oportunidades demais, e acordar um belo dia, muitos anos depois, vazia demais, até a borda, para conseguir fazer parte de uma vida a dois.

    Não bastasse o relógio biológico (que existe de verdade) apitando grosseiramente de que sim, seu útero e sua vida estão prontos para mudar, a sociedade começa a impor seus padrões pragmáticos de comportamento tornando tudo ainda mais difícil. O resultado: o desespero é tanto que Juliana começa a insistir em relações meia-boca por puro receio de não conseguir se realizar emocionalmente depois. Frustração, infelicidade, solidão.

    A idade costuma ser um fator limitante. Quanto mais perto dos 30 para uns, ou dos 40 para outros, maior costuma ser a angústia e a quantidade de escolhas destrambelhadas que são tomadas pelo caminho. Juliana e tantas outras pessoas começam a se alimentar de migalhas, acreditando firmemente de que este é o único banquete que conseguirão a esta altura “tardia” da vida. Parece dramático, incisivo, depressivo, e de fato é. Poucas são as pessoas que sabem lidar bem com a sua própria companhia, que conseguem esperar com calma e tranquilidade os presentes inesperados do destino, e que não se deixam abater porque algumas rugas apareceram no canto dos olhos ou porque aquela sua amiga de faculdade questionou sua solteirice aos 38 anos com aquela cara de desaprovação.

    Nem todo mundo tem o desejo comum de família, filhos e uma casinha no campo. E até as pessoas que têm, merecem encontrar sua própria travessia a dois da forma mais natural possível, sem pressões externas exacerbadas. Pode acontecer aos 20 anos como foi com a sua prima, mas pode acontecer aos 60, como foi com aquele vizinho que teve um casamento arranjado e só encontrou o amor décadas depois, quando se separou, e num desses acasos afortunados cruzou com dona Maria na esquina da padaria. Não é necessário afundar num poço de tortura emocional e solidão, simplesmente porque a coisa toda não aconteceu da forma como era esperado. Aliás, esperar algo do amor é praticamente dar murro em ponta de faca. Ele sempre faz o caminho contrário da razão, do discernimento e da lógica. Então para quê contrariar?

    Foi pensando assim que Juliana acordou um belo dia decidida a não sair novamente com o babaca do Bruninho, que ela insistia para si mesma que precisava dar certo, pois era a sua “última alternativa amorosa na vida”. Deixou o drama de lado, vestiu vermelho dos pés a cabeça, e saiu deslumbrante pelas ruas muito bem resolvida de que sim, ela tinha todo o tempo do mundo que precisasse para encontrar o amor. Antes só, do que em um casamento forçado, um relacionamento conturbado, ou em qualquer parceria sem reciprocidade. A maturidade, de fato, é uma coisa belíssima. Quando ela chega é praticamente como ajustar as lentes desfocadas dos óculos. O borrão embaçado vira um delicioso poema, e a vida, antes vista e vivida sob os olhares apressados dos outros, ganha outro contorno, do jeitinho que a gente bem entender, seja uma linha reta, ou um florido caminho recheado de bosques e curvas.

    – Toc toc. Bateu na porta o amor de Juliana.

    Ou não, vai saber.

    danielle


    " Todos os nossos conteúdos do site Casal Sem Vergonha são protegidos por copyright, o que significa que nenhum texto pode ser usado sem a permissão expressa dos criadores do site, mesmo citando a fonte. "