• Porque é difícil largar o osso quando  ainda existe amor
  • Porque é difícil largar o osso quando


    ainda existe amor


    Tudo que eu queria era desaprender desse tal de gostar. Talvez não por completo, desses aprendizados que transformam tanto a travessia da gente que logo se esquece como é que se conduz o amor. Mas só um pouquinho. Só o suficiente para encher os pulmões de ar, os olhos de coragem e sair por aquela porta que sempre foi tão escancarada para mim. Os caminhos divergiram, ponderamos. Os planos não se encontram mais sorridentes na esquina da sorveteria, os abraços não se demoram mais na mesma eternidade, os passos ansiosos já não trilham o futuro com a mesma sintonia. Acabaram-se as desculpas, as insistências, o medo tolo de prosseguir sozinho. E o que se faz com aquele amor todo que grita amuado na alma da gente pedindo abrigo? Como é que se atravessa a porta sabendo dos olhos amorosos, das lembranças conquistadas, do calor gostoso de quem conhece a gente por inteiro, mirando nossos passos rumo a uma saída sem previsão de volta?

    Abdicar do amor em prol de algo muito maior, principalmente quando a estrutura do relacionamento não está abalada, mais do que um gesto de bravura é um sacrifício de maturidade. Uma renúncia ardente e calorosa do desejo pelo outro que queima no peito para lembrar que ambos são humanos. Que incandesce a alma para advertir que se o desejo de partir é maior do que o de ficar, a hora é mesmo a de sair pela porta. Porque determinados sonhos, infelizmente, não conseguem acompanhar o compasso da travessia. Dependendo da fase da vida do casal, é extremamente normal que a trilha dos planos não seja confluente. Os sonhos, os empregos almejados, o MBA no exterior, a sede de conhecer o mundo, o anseio imensurável de ter filhos, uma casinha no campo e um monte de cachorros para passear aos domingos pelo parque. Determinadas vontades independem apenas do querer, todo um universo precisa se mobilizar para que ambas as partes se sintam satisfeitas ao longo do processo. Quando o outro por qualquer motivo que seja não se encaixa no nosso caminho, arduamente, é necessário escolher. Ou a gente fica com uma chance enorme de não se sentir pleno. Ou a gente parte em busca daquilo que nos faz sorrir, e convive delicadamente com aquele pedaço enorme de amor que a gente deixou para trás.

    Muitas vezes não se consegue ter tudo. Acontece, é inesperado, e se chama vida. As oportunidades, as necessidades, as urgências de cada um podem se alterar a qualquer momento e com isso todo o universo certeiro e inabalável em que se acreditava pode ruir. Desapegar de uma parceria quando nada de “errado” ou desestruturado parece estar acontecendo é uma das dores mais sólidas que o ser humano é capaz de sentir. Parece injusto, parece inconveniente, parece desleal. Porém, quando os caminhos divergem, quando seu coração dita o ritmo com pulsos muito maiores do que aqueles que te permitem ficar é necessário dizer adeus. Por você, pelo seu livre arbítrio, pelo bem dos seus sonhos, para fazer jus a tudo aquilo que você sempre acreditou que poderia conquistar na vida. E não, não estou dizendo que o amor dessa vez perdeu as apostas. Ele sempre vence, de uma forma ou de outra. O que não é justo é abrir mão de viver aquela experiência sensacional que se esperou a vida inteira, ou reprimir desejos e vontades, por uma parceria que já caminha em descompasso. Renúncia também é coragem.

    A vida a dois é quase como uma maquinaria milimetricamente moldada. Se a engrenagem das peças desgastar, perder a sensibilidade ou o poder de encaixe, todo o aparelho sofre o atrito. O processo de produção perde a qualidade e começa a produzir uma matéria-prima final cheia de falhas. Isso significa que a engenharia precisa ser impecável? Não. A gente coloca um óleo daqui, outro dali, um lubrificante no motor e aos poucos as coisas se ajeitam. Acontece que se uma peça quiser virar para a esquerda e a outra para a direita, o dispositivo se quebra e perde a funcionalidade. Caminhar numa mesma direção é imprescindível em uma parceria. E o amor sozinho, tadinho, não dá conta de segurar toda a barra de uma relação.

    Por mais que se ame muito o outro, com toda a força que existe dentro do nosso coração, a gente precisa se amar mais. Valorizar mais os nossos sonhos, as nossas fantasias, as nossas metas de vida. Porque eu acredito que aquilo que precisa continuar age como um fiapo de rio no meio da seca: ele acha seus caminhos. O que não é forte ou estruturado o suficiente fica no meio da estrada, nem que seja escondido debaixo de muito sentimento. Talvez eu não consiga no fim das contas desaprender do tal do gostar. Mas eu posso ensinar ao meu amor próprio a não ter medo de determinadas renúncias. O que foi feito para ficar fica. O amor que é feito de partidas também. Lembrança é um abrigo que sempre pode ser revisitado. Mesmo que o cheiro, o beijo, o tato, o olhar amoroso que mirou a nossa saída anteriormente tenha ficado preso lá atrás. Brincar de ser feliz nunca é demais, seja sozinho, seja no aconchego gostoso do abraço que um dia foi uma doce e singela permanência.

    danielle


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