• Eu não nasci para embelezar teu mundo
  • Eu não nasci para embelezar teu mundo


    Hoje faz seis meses que eu não pinto as unhas. Eu, que tantas vezes já pinguei acetona no vidrinho de esmalte velho para amolecê-lo e para poder ter as unhas coloridas de vermelho-sedução, estou há seis meses sem pintar as unhas. No começo teve calafrio. Teve impulso. Teve vergonha. Teve mão fechada em posição de soco para não exibir as unhas não feitas. Teve pegar a caixa de esmaltes. E também teve largá-la.

    Teve entrevista de emprego. E eu sem as unhas pintadas. Não, não fui contratada. Talvez por isso. E se realmente foi, obrigada, prezado recrutador. Das entranhas do meu coração. Obrigada por ter me achado desleixada demais por me propor a sentar em frente a um computador durante oito horas por dia e digitar uma centena de palavras sem as unhas vermelhas e enormes e reluzentes e bem lixadas. Obrigada por ter me achado uma porca, daquelas que acordam e não penteiam o cabelo. Porque é isso mesmo. Você acertou em cheio. Na mosca. Se a sua concepção sobre higiene estiver relacionada à mulher negar a própria naturalidade e – mais do que isso – a intrínseca natureza humana, é isso que eu venho tentando ser. Cada vez mais porca.

    Yes, we have pelos no sovaco. Si, tenemos bafo pela manhã. Sim, nós transpiramos. E não que eu cultive nenhum dos três. Mas aprendi a aceitar que posso sair de casa usando saias mesmo quando as pernas não estiverem depiladas. E que você pode abaixar a calcinha mesmo se seu style for o mais completo e roots Mata Atlântica. Que eu não preciso ir ao banheiro feito uma agente secreta escovar os dentes, pentear o cabelo e passar um gloss antes do meu namorado acordar. E que você não precisa conter aquela vontade de dar um beijão de língua nele logo que abrir os olhos – se ele não se incomodar, é claro. Que eu não devo nunca me poupar de dançar até ter câimbras só porque vou ficar com uma pizza nas costas. E nem você deve se poupar de fazer o que quer que seja pra não suar o cabelo, o corpo e a alma.

    Sinto informar aos desavisados que faltaram na aula de biologia ou que simplesmente acham incrível serem machistas escrotos: mulher nenhuma tá aqui pra ser bibelô, pra enfeitar ou pra perfumar o mundo. Somos seres humanos da mais legítima espécie. E lidar com a nossa humanidade inclui sentir um cheirinho vez ou outra. Apreciar nossa pele ao natural todos os dias. E tatear – se a intimidade e o consentimento permitirem – nossos pelos. Que não são doença nem porquice. Que não são nada além de algozes construídos socialmente para infernizar a rotina de mulheres que existem para viver, pensar, construir e ser felizes.

    Dos pelos ainda não consegui desencanar. Mas da obrigação da unha impecavelmente feita e ~feminina~ eu me libertei. Pode ser que eu queira pintá-las novamente amanhã. Mas porque eu quero, e não para me sentir mais mulher. Por hoje, minha francesinha natural tá mais do que bom. É de graça, não demanda tempo e não contém níquel.

    bruna


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