• Coisas que as pessoas não falam sobre o aborto
  • Coisas que as pessoas não falam sobre o aborto


    Precisamos falar sobre aborto. Precisamos quebrar o silêncio. E é urgente porque enquanto escrevo essas linhas mulheres morrem ou ficam com sequelas devido a procedimentos inseguros em clínicas clandestinas. Precisamos falar sobre o aborto porque precisamos tirar a cruz do útero da mulher. Precisamos falar sobre aborto porque essa não é uma questão moral ou religiosa, mas sim de saúde pública. Precisamos falar sobre aborto porque dogmas religiosos e política não combinam. Precisamos falar sobre aborto porque vivemos num estado laico, que deveria zelar pelo bem-estar de todos, mas que não o faz porque é submisso à moral individual e religião de uma maioria opressora. Precisamos falar sobre aborto porque o assunto ainda é tabu. Precisamos tocar nessa ferida porque o silêncio e a negligência nos fazem cúmplices dessas mortes.

    Veja bem: a questão aqui não é se você é a favor do aborto. Eu não sou a favor do aborto e acho que ninguém é. Afinal, você acredita que alguma mulher em sã consciência acorda e levanta da cama pensando: “nossa, que dia lindo pra fazer um abortinho?”. Não gente, nenhuma mulher deseja passar por esse trauma. Eu sou a favor da legalização do aborto. E eu tenho essa postura porque eu sou a favor da vida, porque a cada dois dias uma brasileira morre em decorrência de um aborto ilegal, e eu sei que enquanto o procedimento não for legalizado mais mulheres continuarão morrendo em clínicas clandestinas. Eu sou a favor da legalização do aborto por amor, porque amo minhas irmãs mulheres e não quero que essa matança continue.

    É hipocrisia tentar empurrar o assunto pra debaixo do tapete. Você conhece uma mulher que abortou. Só no passado foram cerca de 850.000 mulheres que interromperam a gravidez. Uma dessas mulheres pode ser sua irmã, tia, prima, vizinha, cunhada, colega de trabalho ou até mesmo sua mãe. Mulheres próximas, entes queridos da sua e da minha família. Mulheres ricas e pobres, liberais e conservadoras, até quem condena publicamente pratica o aborto: 60% dos abortos são praticados por mulheres católicas. Se você não tem conhecimento de ninguém próximo que abortou um dia é porque a pessoa não sentiu confiança pra te contar, sentiu medo de julgamentos, porque o assunto é tabu. Criminalizar não vai fazer com que o aborto deixe de existir. Afinal, mais de um milhão de mulheres no país se submetem a abortos clandestinos todo ano segundo a Organização Mundial da Saúde. Criminalizar não vai acabar com isso, vai fazer com que as mulheres pobres continuem morrendo. Quem tem grana, paga 5 mil por um procedimento clandestino com o mínimo de segurança e se livra do fardo. Agora que não tem recorre a clínicas açougueiras e o resultado é o sangue derramado de mais Jandiras e Elizângelas.

    Já ouvir gente dizer que é contra a legalização do aborto porque, como contribuinte, acha errado pagar o procedimento pelo “erro dos outros” com dinheiro público. Pois saiba que hoje todos nós já estamos pagando pelas consequências do aborto inseguro. As internações via SUS decorrentes de complicações abortivas geram mais de 600 internações diárias. O dinheiro gasto para salvar as mulheres depois de um procedimento mal feito é o dobro do que seria gasto para praticar um aborto com segurança. Todos nós pagamos muito mais pelas complicações do que pagaríamos pelo aborto seguro. A pergunta é: você prefere pagar para que mulheres morram/fiquem com sequelas no sistema reprodutivo, ou prefere pagar para salvar a vida de uma mulher?

    Precisamos falar sobre aborto porque se homem também parisse o aborto já seria McOferta número 1 na fila do SUS. É triste e aterrorizante ouvir o pensamento moralizante e sexista vigente na boca de quem é contra a legalização do aborto: “deu a buceta agora aguenta” ou “não quer engravidar? não sai dando por aí”. E ninguém nunca fala “meteu, então aguenta” ou “não quer engravidar uma mina? guarda seu pau”. Quando a nossa sociedade diz que uma mulher não pode abortar, o homem é isento de qualquer responsabilidade da gravidez, a “culpa” do filho indesejado é só da mulher. Homens são absolvidos automaticamente porque a gravidez funciona como uma punição a nós, mulheres. Nossa culpa? Fazer sexo. Gozou? Então agora você tem que pagar. O sexo é permitido aos homens e condenado para as mulheres. Se você transa você é obrigada a arcar com as “consequências”. Sexo por prazer é crime pelo qual apenas a mulher é punida.

    É muito hipócrita condenar a mulher que aborta. Ser mãe é um desafio enorme que não pode ser forçado. É uma responsabilidade muito grande e uma mudança muito profunda e por isso não deve ser imposta. A mulher é a dona do próprio corpo e deve ter o direto de decidir se deseja ou não seguir com uma gravidez. Eu decido o que faço pra minha vida e a minha decisão pessoal sobre o meu corpo não deve ser uma regra universal que todo mundo tem que seguir. Você nunca realizaria um aborto? Ótimo, não o faça. Mas não tire o direito de outras mulheres que querem sim escolher como seguir sua vida. É necessário que haja a libertação do corpo de nossas mulheres. Libertar o sexo, o aborto e o corpo é uma revolução que provoca transformações profundas na sociedade. Não há nada que desestabilize mais a estrutura opressora da sociedade que cidadãos exercendo sua autonomia. Por isso as forças conservadoras combatem esse tema com violência. Mas precisamos falar sobre aborto. Precisamos porque nenhuma mulher merece continuar refém do silêncio. Nenhuma mulher merece continuar Clandestina, sangrando sozinha no escuro. Precisamos falar sobre aborto.

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