• E se ele fosse tudo o que você sempre quis
  • E se ele fosse tudo o que você sempre quis


    Seres humanos são, em geral, rabugentos incorrigíveis. Reclamam do calor, do frio, do tédio, da correria, do outro, de si mesmo, e até do fato de não poderem reclamar de algo. Nunca estamos completamente satisfeitos e, mesmo que a nossa grama seja mesmo mais verde que a do vizinho, repararemos que o seu jardim seja talvez mais florido, e voltaremos ao nosso estado natural: o de eternos reclamões.

    Parece-me que nos relacionamentos a dois a nossa capacidade de maldizer se potencializa. Estamos satisfeitos e apaixonados nos primeiros meses, mas, a partir da primeira pisada no calo e do primeiro galã de cinema que nos toma os sonhos, começamos com uma enxurrada de reclamações e irritantes utopias.

    Muitos fecham os olhos – ao menos na maioria do tempo – para as coisas gratificantes que sua relação lhes traz; pouco importa se a intimidade proporciona uma deliciosa rotina de leveza e liberdade, o que importa é que o outro resolveu não reparar no seu vestido novo. É pouco se outro comprou-lhe os biscoitos prediletos, por que, afinal, ele não notou que você mudou do marrom-claro-acaju pro marrom-acobreado e isso é fim do mundo. É sempre pouco.

    O descontentamento permanente é muito mais que uma bobagem sem sentido: ele é perigoso. É precursor de inimagináveis decepções a respeito da vida que é muito menos que esse mar de rosas que muitos pintam.

    Imagina se ele chegasse em casa, depois do trabalho, com uma flor ou um chocolate todo santo dia. Trocar a água do vaso tornar-se-ia uma rotina chata e, em algum momento, você já nem sentiria o perfume: pegaria a flor, num “muito obrigada” impessoal e mecânico, e a colocaria no vaso como quem muda um livro de lugar.

    E se ele te amasse tão incondicionalmente a ponto de não reparar na Megan Fox? Você deixaria de se sentir a escolhida, acredite. Quando conhecemos a capacidade do outro em admirar o belo, sentimo-nos belos quando admirados pelo outro: é pura lógica. Mas se ele, simplesmente, demonstra-se alheio ao resto do mundo, nos entediamos. Sentimo-nos sufocadas pela responsabilidade de preencher-lhe todo o tempo, toda a admiração – ou ao menos deveria ser assim.

    É claro que melhorar alguns defeitos não faria mal. Algumas surpresas eventuais, elogios sinceros, o bom e velho galanteio que cai bem mesmo depois que a paquera terminou… Mas, se o seu companheiro fosse tudo o que você sempre quis, sua reação seria a mesma de um alpinista que chega ao topo da montanha: uma sensação de orgulho e contentamento momentâneos, de uma conquista que será sempre lembrada mas terminará ali – por que, afinal, não há mais para onde subir.

    Queira muito, mas não queira tudo. Porque o tudo tira-nos o direito de buscar, e o que mais, senão a busca, pode dar sentido às nossas vidas? Relacionamentos são castelos em eterna construção, assim como nós mesmos enquanto seres humanos. E se nada mais há a construir, somos acometidos pelo tédio de aposentados que não sabem o que fazer com seu tempo.

    Além do mais, o outro é alguém que se constrói a despeito de nós, e não nos cabe fazer dele o nosso capricho. Aceitar os defeitos alheios é mais do que a maturidade de deixar o outro a vontade para ser quem quiser. É a inteligência de saber que defeitos são parte de cada relação, e são, na verdade, o que nos move a continuar caminhando: assim como os centímetros de montanha que o alpinista ainda precisa subir. Queiramos, portanto, do outro, o necessário: nada mais do que ele pode dar e, principalmente, nada a mais do que realmente precisamos.

    ass-nathalie


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