Ele me conheceu de longe através dos caprichos exagerados da minha mãe. Logo desconfiou que eu gostava de doces, salada de frutas no café da manhã e sorvete de flocos no finzinho da tarde. Ele me amou quando eu ainda era um pequeno batimento cardíaco agitado crescendo na barriga de outra pessoa. Ansiou pela minha chegada mesmo sem saber se eu dividiria com ele os prazeres de uma partida de futebol ou o gosto pelo churrasco com picanha aos domingos. Sua mão protetora segurou a minha pela primeira vez através de uma delicada camada de pele que separava o calor dele, do da minha mãe. Ambos eram aconchegantes, porém o dela eu conhecia bem, o dele até então eu só conhecia por intermédio das doces cantigas de ninar, que acalentavam o medo efêmero da vida que me aguardava do lado de fora. Em pouco menos de 9 meses eu virei a menininha do papai e hoje quase na casa dos 30, posso dizer com orgulho que ainda sou.

Pai é o sujeito babão meio estabanado que ficou te admirando pelas frestas do berço, tentando descobrir qual metade daquele ser tão pequenino pertencia a melhor parte dele. Ele sonhou e planejou uma vida inteira de paz e sucesso enquanto você ainda se preocupava em comer, brincar e dormir. É a confiança dele que te ensinou a andar de bicicleta sem rodinhas e soltou sua mão pela primeira vez quando sua mãe estava distraída pela praça comprando pipoca. Ele te levou ao hospital quando quebrou o braço andando de patins e você saiu de lá completamente convencida de que meninas grandinhas não choram mais quando se machucam. Ficou completamente desconcertado quando você oficialmente cruzou a barreira da puberdade e não importa a sua idade, ele vai querer conhecer a fundo todos os pretendentes que desejam dividir com ele o espaço dentro desse tão zelado coração. Foi ele que levantou de madrugada para garantir que sua menina, ainda tão desprovida das malícias da juventude, chegasse em casa com segurança depois de uma noite badalada. O coração dele também se partiu na sua primeira decepção amorosa e acredite, ele vai chorar quando você soltar os braços dele no altar para abraçar a vida de outra pessoa longe de seus olhares amorosos.

Já se você for um homenzinho a história é completamente diferente. Joelho ralado é quase o sinônimo máximo de virilidade aos 5 anos de idade. Você é o parceiro primário e resoluto do papai. Ele te deixou ajudar a consertar o portão da garagem com a sua própria caixa de ferramentas e permitiu que você se gabasse por isso para a sua mãe com a cara mais orgulhosa do mundo. Ele se descobriu técnico de futebol, natação, ginástica artística e tudo mais que sua essência te permitir exercer. E foi dele o cafuné com sorvete restaurador depois da derrota para o time campeão da escola. Dele vieram os melhores conselhos sobre como convidar as garotas da faculdade para sair e a chave do carro para a noite mais especial com a mulher da sua vida.

Tem pai que também é um pouco mãe e mãe que precisa ser um pouco pai. Um desses mistérios da vida que afloram a dualidade das pessoas, permitindo que em determinadas circunstâncias exerçam o papel bilateral que lhes é destinado pelo universo. Será rígido quando precisar, mas vai amolecer o abraço em doçura quando seu colo pedir o dele depois de um desses solavancos da travessia. Ele é o sermão com a chegada da conta de luz, sobre a pia de louças sujas e do fio dental esquecido no lavabo do banheiro. Mas é com ele que a gente aprende quando pequeno a valorizar o dinheiro e a poupar todas as moedinhas da mesada para comprar o tão sonhado brinquedo no fim do mês. Não importa seu tipo físico, ele é sempre o homem mais forte do mundo aos nossos olhos. Nosso herói, que esconde toda a fragilidade dos anos atrás dos óculos quase embaçados de tamanha vivência.

O melhor amigo, conselheiro, mecânico, motorista, irmão, o mocinho e o bandido. Pai é aquele que dá amor. Seja ele um tio, uma mãe, um avô, um padrasto ou simplesmente a referência de um amigo. Ter um pai, ainda que por breves segundos, é dessas coisas que faz a vida inteira da gente valer a pena. Porque a gente começa a entender que o amor definitivamente vai muito além daquilo que os olhos podem ver. Mesmo quando o mundo inteiro parecer girar em sentido contrário a minha trajetória, eu sei que o colo dele estará sempre a postos para me abrigar da realidade. A gente até encontra um pedacinho bem no fundo da alma da gente para acolher os outros amores que atravessam a nossa vivência. Mas essa paz que carrego no olhar vem da certeza da presença dele em mim e de que pra sempre, eu serei a menininha do coração do meu pai.

danielle


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