• Por que o “vagão rosa” é uma forma disfarçada  de colocar a culpa nas mulheres mais uma vez
  • Por que o “vagão rosa” é uma forma disfarçada


    de colocar a culpa nas mulheres mais uma vez


    Seis da tarde, hora do hush. Momento em que, em um trem ou metrô lotado, você vê seres humanos transformarem-se em seres irracionais. Quem depende de transporte público tem até calafrios ao imaginar um estação da Sé ou a linha 9 da CPTM nesse horário. Lata de sardinha é a melhor definição. Cinquenta pessoas onde deveriam caber dez. Uma condição praticamente sub-humana. Você se sente um gado no cercadinho. Empurra-empurra. Quem quer sair do vagão muitas vezes não o consegue e quem quer entrar espera passar uns três trens, mas eles continuam lotados. Nessas horas você se arraga na sua mochila, carteira e celular. Protege tudo o que tem de mais precioso porque sabe que corre o risco de alguém te roubar. Mas, se você é mulher, você tem uma preocupação a mais: o seu próprio corpo.

    Infelizmente, o abuso sexual no transporte público é comum e traumático para milhares de mulheres todos os dias. Quem nunca passou ou presenciou uma situação constrangedora dessas? É recorrente o relato de caras que ficam se esfregando, encoxando, tentando passar a mão, levantar o vestido, e até ejacular nelas. Esse comportamento é tão reforçado que no começo do ano caiu na mídia o caso lamentável de uma fanpage no Facebook que, com mais de 12 mil seguidores, enaltecia o abuso sexual no transporte público e incentivava os homens a compartilhar suas experiências. Esse problema já levou o Rio de Janeiro e Brasília a criarem os “vagões rosa”, especiais para mulheres. Recentemente, uma marca de sabonete íntimo reacendeu essa discussão em São Paulo: reivindicando “mais segurança para mulheres no transporte público”, está fazendo uma campanha com apoio de várias artistas famosas (que acredito dificilmente andarem de busão por aí) pedindo assinaturas para o projeto de lei que obriga uma quota de ônibus e vagões de trens e metrô só para mulheres, a fim de evitar casos de assédio sexual. Mas será que essa é a solução mesmo?

    O “vagão rosa” já funciona em vários outros lugares, como Japão, Egito, Índia, Irã, Indonésia, Filipinas, México, Malásia e Dubai: tudos países de cultura fortemente machista. Coincidência? Não. Veja bem, apoiar o tal do “vagão rosa” é a mesma coisa que dizer que o problema está na mulher, e por isso ela deve ter sua liberdade restrita a um vagão. É tornar legítima a violência contra a mulher e apoiar a ideia de que ela-tava-de-saia-curta-então-pediu-pra-ser-estuprada. É achar que mulheres são corpos disponíveis que existem no mundo para agradar o sexo masculino. É dizer que os homens que assediam podem continuar assediando em outros espaços, sem qualquer tipo de punição. É acreditar que o homem não é capaz de controlar os seus instintos, por isso não é responsável por seus próprios atos e a melhor alternativa pra lidar com isso é trancafiar um monte de mulheres em um vagão onde elas ficarão longe desse animal de desejo incontrolável. Péra aí: então o homem que é ser incapaz de se conter fica livre e, na real, é a vítima que vai pro vagão? Devemos separar as mulheres para protegê-las? Devemos cortar a sua liberdade de circulação, podendo criar ainda mais situações de culpabilização da vítima se a mulher decidir viajar em um vagão que não seja o exclusivo? E como ficam as mulheres transsexuais? Se elas já sofrem preconceitos duros da sociedade, muitas vezes usar o banheiro feminino é um problema para elas, como vai ser nesse vagão?

    A pergunta é: por que segregar? Não é mais fácil, inteligente e mais barato investir numa campanha para que as pessoas possam conviver juntas de uma forma melhor? Já passamos da quinta série quando tinham que nos dividir em meninos e meninas. Mais que um vagão especial, precisamos que o assédio seja criminalizado. Precisamos que os agressores não saiam impunes. Precisamos de campanhas educativas e contra o abuso sexual, precisamos de treinamento de funcionários do transporte público que orientem como agir nesses casos, precisamos de câmeras de segurança em vagões e ônibus. Precisamos de melhor atendimento das vítimas. Precisamos de punições mais rígidas para quem pratica assédio contra as mulheres, como aconteceu recentemente com um homem que foi preso por beijar uma garota a força. Precisamos acabar com a cultura do estupro. Precisamos de tanta coisa, mas, definitivamente não precisamos de uma campanha de publicidade definindo políticas públicas – com interesses privados. Precisamos menos ainda de um “vagão rosa”, que protege o machismo e não defende as mulheres.

    lais-1-1-1-1


    " Todos os nossos conteúdos do site Casal Sem Vergonha são protegidos por copyright, o que significa que nenhum texto pode ser usado sem a permissão expressa dos criadores do site, mesmo citando a fonte. "