• É bonitinho, mas escreve “menas” – sobre o  verdadeiro sentido de usar bem a língua
  • É bonitinho, mas escreve “menas” – sobre o


    verdadeiro sentido de usar bem a língua


    Era um homem lindo. Moreno, alto, bonito e sensual. Talvez ele fosse a solução para os meus problemas. E os de toda a humanidade. Para a Copa no Brasil. Para a truculência da PM nas manifestações e nas periferias. Para a fome na Somália. Para a guerra civil na Síria. Era um menino bonito. Aquele lá que enfeitiçou a Rita Lee, sabe? Ganhou o Colírio Capricho em 2010. Foi Mister Milho na cidadezinha de seis mil habitantes onde nasceu e cresceu. Nasceu tão bonito que, assim que saiu do ventre da mãe, a única coisa que tinha cara de joelho naquele menino era o próprio joelho. E cresceu indiscutivelmente ~boa pinta~, como dizem os machões de regata que acham que assumir que outro homem é bonito é ~coisa de viado~. Era, enfim, um homem lindo.

    Mas escreveu “com migo”. E eu resolvi perdoar. Botei a culpa no corretor ortográfico, por mais que ele não o tivesse feito. Só que aí veio o “concerteza”. E eu fiquei a imaginar o que fosse uma concerteza. Se um concerto, em linhas gerais, é uma composição musical acompanhada de uma orquestra ou de um piano, uma concerteza deveria ser uma lindeza de concerto. Perdida em meus devaneios, perdoei mais uma vez. Até que veio um “tomare que agente seje muito felis”. E eu, que até então torcia, comecei a contorcer.

    É difícil perdoar erros gramaticais quando se cresceu levando a Novíssima Gramática Ilustrada do Sacconi ao banheiro para a hora do número dois. Ou quando, na impossibilidade de carregar aquela verdadeira bíblia, os rótulos de shampoo, com seus inesquecíveis lauril éteres sulfato de sódio e cocoamidopropil betaínas, se tornavam leitura obrigatória no espaço de tempo entre abaixar as calças e botar a mão no papel higiênico. Mas eu juro que tento me policiar, porque patrulheiros do bom português são chatos. Patrulheiros de qualquer coisa são chatos, aliás. E eu sou uma puta duma chata. Muito mais chata do que puta – pra esclarecer as coisas.

    Antes que vocês façam uma ideia errada de mim: eu nunca quis um homem que me declamasse poemas. Não tenho um pingo de paciência para preciosismos. Às favas todos os poetas, suas rimas, suas métricas e suas segundas pessoas do plural e do singular. Às favas Vinícius de Moraes com seus sonetos. Da fidelidade, do amigo, do amor total, do caralho a quatro. Às favas as ênclises, próclises e mesóclises que você usa devidamente. E às favas meu português correto de merda. Porque, olha, quando alguma coisa desponta mais forte aqui dentro do peito, não importa se é “mais” ou “mas”. Se é “seje” ou “seja”. Se é “menas” ou “menos”. Se é “iorgute” ou “iogurte”. Quando o amor – ou o tesão – fala mais alto, a gente comete o crime de perdoar milhares de vírgulas entre sujeitos e predicados, centenas de “as” craseados indevidamente e dezenas de oxítonas terminadas em U acentuadas. E sem chance de arrependimento.

    Aos corajosos pretendentes de toda a vida que me mandaram mensagens de texto, aqui vai um recado: eu avaliei. Eu fiz a análise sintática, semântica e morfológica. Eu reli cada oração em busca de uma ambiguidade. E eu encontrei erros. Mas acima dos erros, encontrei acertos. Porque a atitude de escrever vale muito mais do que escrever direitinho. Ter coragem de chamar a menina para sair vale muito mais do que declamar-lhe um poema – escrito por você ou por qualquer Veloso ou Gil. Dizer um simples e sonoro “eu te amo” é muito mais precioso do que qualquer preciosismo. Porque convenhamos: se dominar o idioma fosse sinônimo de sucesso na vida amorosa e sexual, seguuuura o professor Pasquale. Que, sem dúvidas, manda muito bem na língua portuguesa. Mas que talvez – só talvez – não saiba que usar bem a língua pode significar mais do que arrasar nas análises sintáticas e nos tira-dúvidas do Telecurso 2000. Muito mais.


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