• Lulu: O App Que Veio Provar Que Objetificação  Não É Legal (Não Importa O Gênero)
  • Lulu: O App Que Veio Provar Que Objetificação


    Não É Legal (Não Importa O Gênero)


    É uma quinta-feira, estou no Baixo Augusta em frente a uma balada acompanhada de uma amiga esperando o cigarro terminar pra voltar pro rolê quando um cara e seu amigo, ao entrarem no carro que estava estacionado perto da gente, começam a vomitar cantadas baratas nos nossos ouvidos. Os caras não paravam de encher o saco e, como eu não sou de ferro, o monólogo transformou-se em uma conversa que acabou nisso aqui:

    – Linda, onde é que você vai? Me diz onde, eu te levo pra onde você quiser!

    – Pra um lugar bem longe de você.

    – Nossa! Eu devia te perguntado quanto era o programa mesmo! Você vai ver, vou comer o seu cuzinho…

    – Não, você devia chupar o pau do seu amigo aí do lado, porque, na boa, um cara que age do jeito que você tá agindo não gosta de mulher.

    O diálogo acabou com gestos indecentes, imitações de boquete, trocas de insultos, o carro vazando e eu tremendo de raiva. Corta cena.

    Recentemente o universo masculino ficou abalado pelo Lulu, um aplicativo exclusivo para o público feminino que permite às mulheres fazerem resenhas (de cunho sexual) anônimas de seus amigos, ex-namorados, parceiros ou paqueras. Além de dar uma nota para o cara em questão, o Lulu possibilita que as mulheres preencham o perfil dele com hashtags positivas ou negativas, como: #SemMedoDeSerFofo, #TaradoDoJeitoCerto, #NuncaPassaANoite, #LindoTesãoBonitoeGostosão, #PiorMassagemDoMundo, #CurteRomeroBritto, #TrêsPernas, #FilhinhoDaMamãe, #LábiosdeMel, #RespeitaAsMulheres, #PrefereoVideogame, #Bebezão, #DáSono, #NãoFedeNemCheira e etc.

    Grande parte da ala masculina bombardeou minha timeline criticando o Lulu. Reclamaram que o app expõe a intimidade, é de muito mau gosto e simplista, pois resume todos os caras a adjetivos, coloca uma etiqueta nas pessoas definindo um valor de 0 a 10 e expõe os defeitos deles de uma forma baixa. Os homens também explicaram que não querem ser julgados, não querem ser tratados como um pedaço de carne na prateleira do consumo sexual, não querem ser resumidos a pontuações e a hashtags e que não querem ser (tcha-ram!) objetificados. Eu queria continuar esse presente texto discorrendo sobre como o Lulu é um app babaca e ultrajante que deve ser deletado já porque objetifica os homens, mas confesso que um lado meu está adorando a polêmica que o Lulu está gerando.

    É que é muito intrigante ver que como as pessoas mudam de postura rapidinho quando é o próprio calo que aperta. Não me levem a mal, mas muitos dos homens que estão metendo o pau no Lulu são os mesmos que defendem que mulher não pode reclamar de levar cantada na rua porque isso é um elogio ou flerte, ou que se a garota sai de casa com roupa de ~vadia~ ela estava pedindo pra ser estuprada, ou que se o vídeo íntimo da garota que fez ménage vazou, a culpa foi dela por ter ~confiado demais~ no cara. Pois bem, seria então hipocrisia desses mesmos homens se queixar do Lulu. Seria incoerência eles reclamarem de serem objetificados, pois eles também objetificam. Então, já que eles têm essa postura em relação às mulheres, o coerente seria pensarem que o Lulu não passa de uma brincadeirinha que não deve ser levada a sério e que, se eles não querem ser avaliados, então é melhor que façam sexo apenas com mulheres em quem eles confiam.

    É interessante ver como há uma revolta no público masculino por receber hashtags, como as que exemplifiquei ali em cima, enquanto essas mesmas pessoas fecham os olhos para coisas muito mais pesadas que as mulheres têm que lidar todos os dias e em qualquer lugar (como a situação citada no primeiro parágrafo – juro que preferia ter levado um #CurteRomeroBritto em vez de ouvir as merdas que ouvi). Isso acontece porque há casos em que o machismo está tão arraigado na sociedade que você só consegue perceber como uma situação é sexista quando você promove a inversão de papéis entre os gêneros. E é exatamente isso o que acontece no app. O Lulu transforma quem era objetificado em objetificador. O Lulu, de certa forma, empodera, sim, a mulher, mas, mais do que isso, acabou se tornando tipo um grito de socorro, uma súplica: “agora que você já sabe como é uma merda se sentir um objeto, por favor, não faça comigo”.

    A repercussão, indignação masculina (já que pimenta nos olhos dos outros – mulheres – geralmente é refresco) e discussão que o Lulu tem gerado são bem interessantes. O app faz com que os homens se sintam, por um dia, na pele das mulheres, e isso nos deixa esperançosas de que eles reflitam sobre a questão dos papéis de gênero e da opressão que os dois gêneros sofrem por conta do machismo enraizado. Mas não, eu não apoio o Lulu, afinal, nem todo tipo de revanchismo e válido: objetificação e assédio de qualquer gênero são inaceitáveis. Esse tipo barato de vingança não resolve o problema e não é, de maneira alguma, a melhor forma de lutarmos contra o desrespeito que muitas vezes nos é imposto. O que eu apoio são os homens colocarem a mão na consciência e repensarem seus valores. Espero que, um dia, esses homens não precisem mais ter que se colocar no lugar do outro para, aí sim, ao sentir a humilhação e dor do outro, se dar conta de que há algo errado.

    Meninos, não se preocupem. Logo, logo esse aplicativo perde a graça e, se as coisas continuarem como são, infelizmente tudo volta ao normal com apenas homens avaliando mulheres em ambientes profissionais, sociais e familiares.


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