• O Fim do Seu Relacionamento Não É o  Fim do Mundo
  • O Fim do Seu Relacionamento Não É o


    Fim do Mundo


    Acabou, Maria. Simples assim, como um ponto final, como pedir uma pizza, como dois e dois são quatro. A princípio, você somará dois e dois como cinco e pensará, indignada, que há alguma coisa sobrando nessa história toda. Talvez aquele mimo que você comprou e não teve tempo de entregar. Talvez aquele espaço ao seu lado esquerdo na agora fria e solitária cama. Ou talvez um terceiro elemento que quebrasse a lógica de que um casal é composto por duas pessoas. Num segundo momento, você somará dois e dois como três e dirá a si mesma, desconsolada, que algo faltou naquela história toda. Faltou você ceder àquele sexo anal cinematográfico que ele tanto pediu durante esses anos. Faltou ele compreender a sua ausência naquela noite em que você teve que fazer hora extra no trabalho. Faltou vocês conversarem sobre as banalidades da vida antes de simplesmente se levantarem e se vestirem de maneira mecânica para enfrentar mais um dia da tão sacal rotina.

    Aí, Mariazinha, vêm os amigos. Pretos, brancos, gordos, magros, altos, baixos, hétero, homo. Todos com ombros afáveis, sorrisos fáceis e mãos a postos para secar as suas lágrimas. São eles que vão convencê-la das suas detestáveis qualidades. Em vão, vão fazê-la enxergar seus admiráveis defeitos. E enfim, vão mostrar-lhe que um copo de cerveja vale mais do que mil palavras. Aí, minha cara, você vai encher a cara. A sua cara. Se antes a gente bebia pra se divertir, hoje a gente bebe pra esquecer. E diz uma porção de meias verdades pra nossa imagem refletida no espelho, porque não têm coragem de dizer a verdade inteira pra gente de carne e osso.

    No calor das madrugadas frias, você vai acordar num sobressalto, pontualmente às 3h47, e sentir, como nunca na vida, um buraco no peito. Seu coração vai pulsar no vazio até o dia clarear. O despertador tocará à toa, porque você já estará cansada de estar de olhos abertos. Em movimentos robóticos, você se levantará, lavará seu rosto de piedade, vestirá a primeira roupa que o seu guarda-roupa lhe cuspir, engolirá dois goles de leite frio e irá trabalhar, como se nada tivesse acontecido. É, Maria, o seu mundo caiu, mas qual a relevância do seu mundo para o mundo de todo mundo? Seu gerente cobrará aquela demanda da semana passada, seus colegas continuarão sem saber usar a bandeja de rascunho da impressora, o cliente chato irá importuná-la, o fornecedor vai ter dúvidas sobre o que já está mais do que explícito no briefing. É aí que você vê que o mundo precisa de você. Vá trabalhar, vagabunda. Engula em seco um comprimido de corporativismo para esquecer.

    E assim os dias passarão. Dolorosos, elípticos, fugazes. Enfim, normais. Você continuará a amar o arroz e feijão da sua mãe, a criticar a intolerância do seu pai com relação ao amor homossexual, a ligar para os seus irmãos para pedir o itinerário daquele ônibus. A trabalhar doze horas por dia e a dormir cinco. A tomar banho gelado no inverno e banho quente no verão – por mais que a contragosto –, a cantar no chuveiro. A ouvir Chico, a assistir à novela, a ir ao cinema ver aquele filmezinho comercial. Você vai conhecer um novo homem, Maria. Provavelmente, um homem que contradiga brutalmente aquele estereótipo ao qual você sempre quis estar acostumada. Vai colocar-lhe a mão por sob as calças e perceber que pau duro é pau duro, aqui ou na China. E que o pau duro dele é incrivelmente bonito. E aí, vai fazer com maestria e com muita vontade tudo aquilo que treinou durante anos: sentar, cavalgar, chupar, engolir, beijar, morder, lamber. Enfim, se deixar levar e – porque não? – sentir o coração bater de novo e mais vivo do que nunca. É a vida, Mariazinha.

    Tudo o que vem vai. E nem tudo o que vai volta. Pois é, nenhum bumerangue é à prova de falhas. Você aprenderá a lidar com o desgosto, a aceitar o andar da carruagem, a apaziguar as desavenças internas, a rir da sua própria desgraça. E por fim, Maria, você vai secar as lágrimas, pentear o cabelo, colorir os olhos e a boca, colocar um salto quinze, encher o peito e dizer, com toda a firmeza do mundo: “fiz mesmo, e faria é de novo se tivesse mais”*.

    *Trecho da música “Crime Passional”, de Filipe Catto.

    Texto originalmente publicado na Revista Entremundos


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