• Felizes Para Sempre – O Que os Contos de Fadas  Fizeram nas Nossas Vidas
  • Felizes Para Sempre – O Que os Contos de Fadas


    Fizeram nas Nossas Vidas


    “Eles se casaram e viveram felizes para sempre”. Dou meio minuto para você, caro leitor, pensar em meia dúzia de histórias infantis que tenham esse final. Cinderela, Branca de Neve, A Bela Adormecida, A Bela e a Fera, A Pequena Sereia, Aladdin. Pronto. Seis histórias com o romântico e utópico final de sempre. E reparem que essa não é a única coincidência entre essas histórias – todas elas, apesar de terem as mais diversas origens e os mais variados autores, foram eternizadas em clássicos da Disney.

    Sim, a Disney. Animações encantadoras, príncipes impecáveis, princesas maravilhosas. Não sei se você sabe, mas aquela Cinderela que estampa a mochila da sua irmã mais nova e a Branca de Neve que ilustrou o convite do aniversário de cinco anos da sua priminha não são meras imagens. Elas estão cobertas de significados e exercem uma influência inacreditável na vida de toda uma geração de crianças. Duvida? Então espia só esse estudo desenvolvido pela antropóloga Michele Escoura, da Universidade de São Paulo (USP).

    Aproximadamente duzentas crianças foram estudadas pela especialista durante um ano. Numa das partes mais determinantes do estudo, Michele exibiu os desenhos Cinderela e Mulan (aqui, vale ressaltar que Cinderela é a princesa clássica – passiva, sonhadora e sem tomada de ação – e que Mulan é uma princesa corajosa, guerreira e que foge dos padrões ocidentais de mocinha) com a intenção de justamente contrapor as duas figuras e pediu que as crianças desenhassem e comentassem sobre os filmes.

    O resultado? Muitas crianças não atribuíram a Mulan o status de princesa. Em primeiro lugar, porque a guerreira não apresenta o padrão estético e comportamental das demais princesas. E em segundo, porém não menos chocante: no final do filme Mulan, não se sabe se a princesa casou ou não. “Tia, para ser princesa precisa casar, né? Senão não vai ser princesa, vai ser solteira!” – esse foi um dos comentários tecidos pelas crianças que participaram do estudo.

    Bonitinha e nada ordinária: a associação entre o bem e a beleza

    A influência que os vestidos longos e rodados trazem para as crianças não para por aí. No mundo mágico da Disney, outra estrutura que marca presença massiva é o maniqueísmo – filosofia que classifica o mundo entre as categorias do bem e do mal. E é justamente aí que mora o problema. Os contos de fadas criam estereótipos – princesas bondosas, delicadas, bonitas e ingênuas contra vilões invejosos, rudes, feios e extremamente frios – que simplesmente não existem no mundo real. E o pior: ensinam que tudo que não é fisicamente atraente, de certa forma, não é bom.

    Para a escritora e editora norte-americana Peggy Ornestein, esse tipo de experiência pode prejudicar o bem-estar de uma criança. “A preocupação com o corpo e com a beleza, tanto incentivada em filmes, na TV, em revistas nos brinquedos infantis, é perigosa para a saúde mental e física das crianças. Quando vejo minha filha se vestindo de Pequena Sereia, eu deveria dar de ombros e esquecer tudo isso? Se o tráfico de estereótipos não importa aos três, quando é que vai importar? Aos seis? Oito? Treze?”, afirmou a escritora do best-seller “Cinderella Ate My Daughter” (em português, “Cinderela devorou a minha filha”).

    E infelizmente, a mercantilização do universo mágico das princesas deixa claro que o incentivo ao consumo dessas histórias nunca vai parar: segundo o próprio site da Disney Princesas, a marca registrada está entre as que mais crescem no mercado de cinema, com mais de R$ 8 bilhões em vendas mundiais em varejo.

    Esperando pelo beijo do príncipe encantado

    Num mundo tão tomado pela ditadura da beleza, criar e – pior – comercializar ideais de beleza e de comportamento pode ser bastante nocivo. A luta que as mulheres vêm travando contra o machismo também se vê prejudicada diante de uma educação pautada pelas histórias de princesas da Disney. Em diversas histórias, como Branca de Neve, Cinderela e A Bela Adormecida, as mulheres são extremamente passivas, e a ‘salvação’ vem através de alguma ação do homem: seja o beijo despertador do príncipe, seja o encaixe do sapatinho de cristal. E aí, voltamos ao ponto inicial: Mulan não era princesa e não era digna de um “felizes para sempre” simplesmente porque não se casou com um belo príncipe.

    A divisão ferrenha de gêneros nos clássicos da Disney dita o comportamento das crianças. As princesas, representação da feminilidade, precisam ser delicadas, gentis e bonitas. Tudo o que sai fora desse padrão passa a ser indício de masculinidade. Uma pesquisa feita com estudantes de colégios estadunidenses mostrou que 23% das garotas que não praticavam esportes não o faziam porque consideravam atividades esportivas pouco femininas.

    E aqui, para encerrar, cabem alguns questionamentos: é esse mesmo o referencial de felicidade, admiração e feminilidade que queremos passar para as nossas crianças? Não que a culpa dos males do mundo seja da Disney – longe disso. Reconheço que um pouquinho de magia e encantamento faz bem pra todo mundo, afinal, a vida é mais doce quando se sonha. Porém, cabe claramente aos pais a função de mostrar às meninas outros referenciais de feminilidade. A própria Disney abre caminho para essa opção: Mulan, a princesa guerreira, ou Tiana, a garçonete negra da animação A Princesa e o Sapo, podem ser boas saídas. Afinal, num mundo onde a diversidade é cada vez mais nítida, as mulheres estão cada vez mais independentes e mais pessoas tomam a decisão de não se casar – ou ainda de se casar com pessoas do mesmo sexo – é importante alertar os pequenos de que a beleza está nas diferenças e de que a felicidade está na inteligência para saber lidar com elas.


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