• Manifesto Contra a Banalização da Mentirinha
  • Manifesto Contra a Banalização da Mentirinha


    “Não é você, sou eu”. A gente se vê”. “Vamos combinar”. “Tudo ótimo, e com você?”. Que o seu nariz cresça 20 cm se você nunca disse ou ouviu uma dessas “convenções sociais” alguma vez na vida. Pois é, essas e muitas outras fazem parte do hall das “mentirinhas brancas”, aquelas que usamos com tanta frequência que pouco nos damos conta que são, de fato, mentiras. Isso mesmo, aquelas frases muito feias que nos fizeram apanhar na bunda quando crianças evoluíram, cresceram com a gente e aos poucos foram absolvidas em prol do nosso dito bem-estar social.

    E não venha me dizer que é exagero. Estamos exagerando, sim, é na dose da mentira. Vou além. Acredito que estamos passando pelo fenômeno da banalização das mentirinhas cotidianas. Já que a verdade revela o que não queremos demonstrar, nossas fraquezas, medos e defeitos, precisamos nos defender de alguma forma, não é? Então, como válvula de escape, entramos em modo automático como numa busca por autopreservação, aí, pum, mentimos. A mentira já se tornou parte do nosso dia a dia, e de tão banal, nos acostumamos com ela. Já bem crescidinhos, (in)felizmente, não há mais quem possa nos corrigir. Há quem defenda, inclusive, que a tal balela foi criada para evitar chateações desnecessárias, desconfortos, perguntas pessoais que não gostaríamos de responder ou até mesmo para dar um ponto final e colocar algum chato para correr.

    Olha, não sei você, mas quando a humanidade precisa apelar para mentiras, sejam brancas, fúcsia ou azul calcinha, alguma coisa está muito errada aí. Onde foi parar nossa presumida maturidade para encarar situações e pessoas desagradáveis? Afinal, encarar a verdade de frente não deveria ser o feijão com arroz de qualquer adulto equilibrado? Vai ver que é isso, está faltando mesmo um pouco de equilíbrio nas nossas relações pessoais. Por falta de coragem para encarar situações que nos trazem desconforto, estamos nos tornando uns verdadeiros bananas, isso sim. Contamos mentiras desavergonhadamente por uma razão muito simples: não estamos preparados para muitas verdades. Também não somos corajosos o bastante para falar, muito menos para ouvir algumas delas.

    No fundo, a gente até sabe que fugir do problema não resolve. Mas ainda assim inventamos uma desculpa, uma forma para fugir de conflitos. Pior. Aprendemos a justificar que a mentira é natural do ser humano. Colocamos a culpa lá nos antepassados e tá tudo certo. Sobra até para a serpente que pregou o maior caô na Eva no paraíso, e de lá para cá, parece que é modinha sair por aí pagando de Pinóquio. Já perceberam, por exemplo, como chamamos as mentiras no diminutivo justamente num ato inconsciente de amenizá-las? Aliás, além de diminuir sua importância, costumamos chamá-las de brancas. Só gostaria de entender que paradoxo é esse de relacionar a falta de sinceridade nossa de cada dia com a candura do branco.

    Não estou dizendo também que ser sincero é tarefa fácil, porque não é, não senhor. O personagem mal compreendido de Luiz Fernando Guimarães na série “O Super Sincero”, que o diga. Sinceridade custa caro e por muitas vezes, não é vista com bons olhos. Quem diz sempre a verdade corre, inevitavelmente, o risco de ser visto como mal educado, insensível, ignorante, e por aí vai. Daí acaba sendo mais simples dizer que aquela calça ficou ótima na namorada, a comida um pouco queimada da mãe está uma delícia, que a noite passada foi incrível. .

    Engraçado como a chamada evolução que caminhamos tem nos tornado cada vez mais mecânicos, cheios de frases prontas, dessas, muitas mentiras. Com a desculpa fajuta de querer proteger o outro, mentimos sim. Mas sabe por quê? Para protegermos a nós mesmos. Crescemos, mas ainda mantemos de certa forma aquele comportamento de criança mimada e egoísta que só quer tirar o seu da reta. O fantástico da vida é que ela, sempre muito esperta, dá o troco e adora pregar uma peça. Nos faz ouvir constantemente as mesmas mentiras que nós deslavadamente contamos. Dessa verdade, definitivamente, ninguém escapa. É a lei irrefutável da vida – toda ação gera uma reação.


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