• Quem Tem Medo de TPM?
  • Quem Tem Medo de TPM?


    Abriu a porta de casa como se quisesse estuprar a inocente fechadura e logo percebi que ela estava possuída pelos efeitos do furação “El Chico”, ou seja, com o humor amigável de um serial killer e o sorriso contagiante de um diabo-da-tasmânia em dia de engarrafamento.

    Senti uma vontade súbita de colocar o capacete da moto, um colete à prova de TPM e me esconder debaixo da cama, com medo dela chegar de repente e cravar um salto agulha de quinze centímetros direto no meu pâncreas, incomodada com as pinicadas da minha barba desleixada ou apenas emputecida com a toalha ainda úmida que deixei sobre a cama. Pensei também em fazer uns nós no lençol e descer utilizando técnicas de rapel do vigésimo andar do meu apartamento, de verdade, naquele momento essa modalidade de fuga parecia a atitude mais segura a ser tomada. Eu ficaria uns dias longe dela, voltaria para casa da minha mãe ou pediria asilo na toca de algum amigo com barriga de chope, que certamente me acolheria com a geladeira cheia de cervejas e a televisão sempre sintonizada no futebol. Qualquer portador do cromossomo Y entenderia minha fobia por mulheres prestes a sangrar, rolar de cólica e ficar com os seios mais sensíveis do que o testículo de um filhote prematuro de chiuaua.

    Eu assumo, já tive pavor de tudo que me lembrava mulheres sangrando todo mês, pois eu sempre soube que antes delas liberarem esses glóbulos vermelhos no mundo, tornam-se as mais sensíveis assassinas e devoradoras de chocolate que habitam o planeta Terra. Eu evitava a gôndola de absorvente dos supermercados da mesma forma que deixo de passar debaixo de escadas. Pura superstição. Quando estava na mesma cama que uma mulher na tal da tensão pré-menstrual eu dormia com o olho esquerdo aberto com medo de ter meu pênis amputado num surto de raiva, desencadeado por um pesadelo qualquer.

    Nesse dia, fui diferente: resolvi deixar esse homem covarde de lado e enfrentar minha leoa de frente, de peito aberto, sem medo dos possíveis arranhões e daqueles olhos que há qualquer momento, sem motivo aparente, poderiam hidratar o mundo com um enorme vazamento de lágrimas. Os passos dela estavam cada vez mais audíveis, o salto batia forte no piso de madeira e eu precisava pensar rápido no que fazer…

    Boa-noite, ela disse com um sorriso meigo além da conta e uma voz doce de criança abandonada. Não pensei duas vezes e corri para abraçá-la, com a gana de tornar meu ato o laço mais acolhedor e apertado que dois corpos podem gerar sem que haja fusão de matéria. Tasquei-lhe um beijo demorado bem no meio do olho esquerdo e deitei suavemente a cabeça dela sobre meu ombro. Deixei-a respirar fundo por cinco segundos, não mais que isso, sabia que se prolongasse aquele colo vertical logo haveria lágrimas pousando sobre a lapela da minha camisa.

    Dei-lhe a mão, ou melhor, entreguei-lhe minha segurança máxima. Conduzi-a como um guia experiente até o sofá da sala e lá dei play no rádio, tive que ser ninja, pois era o Oswaldo Montenegro que ali cantava e tive que calá-lo antes que ela percebesse a agonia extrema daquela voz. Tirei a televisão da tomada, não queria que ela desse de cara com o lado triste do mundo, não naquela noite.

    Ela me perguntou se eu a achava gorda e só com o olhar a fiz sentir-se anoréxica, me falou que estava ficando velha e eu disse que a queria enquanto ela durasse, me questionou se eu a achava chata e a calei com um beijo desses nos quais a língua dança suavemente em meio à boca. Antes mesmo dela me dizer que estava sedenta por glicose nas veias eu já estava na cozinha, transformando leite condensado em brigadeiro – não tínhamos granulado, mas em nossa gaveta havia duas colheres e em nossa casa existia uma só cama, grande e só nossa, que naquela noite foi o palco perfeito para nossa lambança.

    Desviei dos possíveis tapas com maestria e elegância, sem covardia ou revide. Enxuguei as lágrimas dela antes mesmo das águas nascerem nos canais lacrimais. Mantive minha postura firme e acolhedora até o dia que ela começou a sangrar. Ela sangrou, nós dois sorrimos. Ninguém saiu ferido e nesse dia fui jogar futebol sem peso, deixando o resto da responsabilidade com o absorvente, sem precisar me preocupar se este terá abas ou não.


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