Uma vez trocaram meu nome quando eu estava na quinta série. Coisa pouca: acrescentaram uma letra a mais no final dele. Mudaram meu gênero. Foi ofensivo. Trocaram a minha identidade e transformaram aquele ato em escárnio. O mesmo aconteceu com o filme que a minha primeira namorada quis ver. Tinha amor no título e romances me rendiam naúseas. Ela terminou comigo porque nem considerei ler o encarte com a sinopse. Desdenhei do filme pelo título. Preferi assistir a algo que indicasse mais ação, alguma coisa com morte no nome. Saí do cinema com os olhos marejados depois de um drama daqueles. Maldito folhetim que não quis ler. Erro do nome, erro do título. Ou seria um erro meu?
Diziam que a garota por quem me apaixonei era rodada. E eu tinha horror a essas vagabundas clichês de histórias contadas com desdém pelas pessoas. Aquela menina era apressadinha. Aquela moça passava pelas mãos de muitos homens e outros vários a seguravam por aí. Desisti da menina ao ler seus rótulos. Uma pena. A menina rodada, apressadinha e cheia de mãos a sua volta era bailarina. Um doce de menina. Descobri isso muito tempo depois. E olha que os rótulos me foram dados pelos próprios autores. Cada um observando a menina de uma perspectiva e dizendo o título que melhor se encaixava a ela (ou que, pelo menos, eles achavam que se encaixava).
Prossegui o resto da vida admirando rótulos. A maioria deles vinha com adjetivos para complemento. E se dizem que é assim é porque é. Nunca me dei o trabalho de descobrir o conteúdo das embalagens. Fosse de um filme, de algum alimento ou de uma pessoa. Mesmo que Romeu e Julieta discordem. “O que é um nome? Aquilo que nós chamamos uma rosa, com qualquer outro nome teria o mesmo perfume”. Mas quem se importa com isso hoje em dia? O moço da rua debaixo dorme com mulheres diferentes a cada dia. Um cafajeste. Um safado. Diziam as vizinhas. Uma pena que só descobririam que as mulheres eram suas musas inspiradoras dias após a sua morte num quarto úmido e vazio. Viram os quadros contando histórias. Apenas rostos e profundidades sem títulos e sem assinatura.
E quanto a esse texto, ele dispensa rótulos. Pode ser leviano. Pode ser desconexo. Deixo que você admita a si mesmo a sua necessidade de rotulá-lo. Pode ser igual àquela moça quieta da aula de física: uma tonta. Pode ser igual à poesia literária do cinema mudo: um saco. É a sua opinião, mas também pode ser a opinião dos outros. Ou a opinião deles. Deles mesmos que dão nomes a tudo e os tornam de comum acesso e utilização por todos nós. Eu ainda não aprendi a minha lição e temos que prosseguir na vida dando nome às coisas. Só que, dessa vez, deixo que você expresse a sua necessidade quase fisiológica de me rotular. Como sempre, o eu-lírico entende.