• (Nem) Tudo Em Excesso Faz Mal
  • (Nem) Tudo Em Excesso Faz Mal


    Dizem por aí, que não tem coisa pior pra um escritor do que a felicidade. Porque poesia pra pegar lá no fundo tem que vir sofrida, derrotada, doída. Ironicamente, a dor que estraçalha a vida real, é combustível essencial pra aquele que escreve. Porque escrever é exorcizar seus demônios – a escrita agarra tudo aquilo que machuca dentro, trás pra fora, expõe a ferida aberta pro mundo. E a dor, é a principal responsável pelos textos que pegam na alma.

    Hoje me falta o combustível da dor.

    Queria escrever um daqueles textos sofridos, que fazem o outro querer atravessar a tela pra te dar um abraço e dizer que vai ficar tudo bem. Mas a dor de amor, há algum tempo, não dá as caras. Ela já passou por essa estrada, deixou cicatrizes, motivou palavras – e se foi. E hoje, eu nem faço mais ideia de como ela seja. Por mais que remexa lá no fundo pra encontrar algum vestígio de dor que desmanche em poesia, nada encontro. E hoje só consigo mesmo perguntar a velha questão “What’s not to love?”. Qual a sensação do “não-amar?” Porque hoje, metade de mim é amor e a outra metade também.

    Mas não vim aqui bancar a vítima da moça de classe média que não tem com o que sofrer e que inventa um sofrimento. Só quem sofre nessa história é a inspiração. De resto, vanglorio, louvo e, principalmente agradeço. E escrevo sim sobre minha felicidade também – porque a gente não devia ter vergonha do que é bonito, com o perdão daqueles que acham essa história de amor piegas demais.

    E penso em quão sábios foram aqueles que afirmaram que a maior religião do mundo deveria ser o amor. Porque, ao contrário das outras, o amor não tem efeito colateral. O amor cura, faz bem pra pele, cobre olheiras, aumenta a auto-estima. Mas, acima de tudo, o amor traz uma coisa que perseguimos incansavelmente e que sentimento nenhum é capaz de trazer: aquele calor no peito.

    Desse calor, todo mundo fala, mas ninguém explica. Ninguém consegue explicar aquela sensação de amornamento no peito sempre que vê ou se lembra do ser amado. Sim, porque não é um calor que queima que nem o da paixão. É um calor morninho, daqueles de banho no fim do dia, de Sol das 10 da manhã. E esse calor é tão contagiante que se espalha pelo corpo. Eis que, de repente, você quer cuidar, abraçar, acolher. E o amor é tão poderoso que se você amar com força ele ultrapassa os limites do peito. E é aí que você sente aquele amor imenso – por tudo, por qualquer coisa. Pelo cobrador do ônibus que passa tantas horas sentado no trânsito. Pelo cachorrinho na rua, com olhos pidões cruzando os seus. Pela mãe dando a mão pra filha – tão pequena, tão indefesa. Como não amar? E é aí que o amor faz mágica.

    E pensando por esse lado, dispenso a inspiração divina que vem de bônus com a dor. Talvez os melhores textos não sejam nunca exorcizados. Talvez ninguém chore com as palavras que o sentimento transportaria pra tela branca. Muito provavelmente, ninguém sentirá piedade do sofrimento dessa menina de classe média com problemas inventados. Mas a vida vale mais do que isso.

    E então, penso que quero mais.

    Quero muito mais desse amor gostoso. Quero mais da gente junto. Quero mais conchinhas. Mais taças de vinho. Mais cheiros no cangote. Mais enroladas na cama até tarde. Mais sextas-feiras. Mais colos depois de um dia cheio. Mais cafés na cama. Mais olhares e menos palavras. Mais roupas arrancadas. Mais almoços inventados. Mais beijos de boa noite. Quero mais desse desejo que não acaba, mais dessa alegria que transborda, mais desse calorzinho no peito que aquece tudo em volta.

    E assim, finalizo desmentindo aquele que diz que tudo em excesso faz mal. Esse, provavelmente, nunca sentiu o calor do amor pegando lá dentro.

    * Para fins de direitos autorais de imagem declaro que as fotos usadas acima não são de minha autoria e que o autor não foi identificado.


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