• O Dia em que Entendi  que o Caminho é do Lado de Dentro
  • O Dia em que Entendi


    que o Caminho é do Lado de Dentro


    Sempre questionei o significado de Deus nas nossas vidas. Quando criança, era induzida pelos meus pais, mesmo que com boas intenções, a frequentar a igreja católica. Fiz até primeira comunhão. Lembro-me claramente das aulas em que cada criança lia um trecho da bíblia e que depois ficávamos livres pra desenhar ou brincar de pega-pega no salão vazio. Meu maior medo era acabar o curso e ter que me confessar no dia da primeira comunhão. Fazia listas mentais dos meus pecados acumulados nos meus 11 anos de existência. Contei alguns deles pro padre – escondi a boneca da minha irmã, chupei uma bala que vi cair do bolso de um colega, dizia pra minha mãe que ia dormir, mas levantava de novo à meia-noite pra conectar a internet discada e pagar um pulso só. O padre ouviu tudo, com uma pitada de desinteresse, e me mandou rezar 2 ave-marias e 2 pai-nossos. Falou o mesmo pros meus colegas. Acho que tínhamos tido a mesma quantidade de pecados.

    Comecei a faltar nas missas de domingo quando tive minha primeira luz de consciência para questionar o quanto daquilo tudo dito fazia algum sentido pra mim. Não entendia porque eu tinha que contar meus pecados para um homem só porque ele tinha estudado alguns anos para se tornar padre – e muito menos, o por que dele ter o direito de determinar o que eu deveria fazer para ser “perdoada”. Comecei também a questionar algumas supostas verdades escritas na Bíblia – um livro escrito por vários humanos num período de mais de 1.600 anos. Como lembrar das palavras de Jesus tantos anos depois? Também questionava como uma instituição que pregava o desprendimento material e exaltava outros valores do espírito, podia ter sede na cidade mais rica do mundo ou dizer que homossexualidade é pecado. Ao tentar tirar essas e tantas outras dúvidas, sempre ouvia uma resposta final padrão quando os argumentos se acabavam – porque Deus quer assim.

    Me distanciei da igreja católica e me aproximei de outras religiões, sempre na busca de um direcionamento pra parte espiritual da vida. E em todas elas, encontrava sempre um rastro de manipulação mascarada, por trás das boas intenções. Na maioria das vezes em que tentava conversar sobre isso com seguidores de alguma delas, sempre me frustrava ao chegar no argumento final que sempre era jogado na roda – religião não se discute. Ora, porque não? Não se trata de convencer o outro a acreditar no que você acredita, mas sim de questionar os valores que as instituições religiosas agregam aos seus ensinamentos, na maioria das vezes achando uma forma de manipular as pessoas a se comportar ou pensar da forma que a instituição mais se beneficia. Isso acontece, porque os que engolem tudo que ouvem sem digerir a informação são mais facilmente manipulados, já que o conhecimento liberta e que a ignorância aprisiona.

    Foi aí que percebi que havia algo muito errado nos conceitos ensinados – e que as religiões jamais ousariam nos contar. O Deus, que tanto procuramos, está do lado de dentro. Você pode buscá-lo na ioga, se mudando pra Nova York, nos templos, em tatuagens, na maconha – mas o caminho, como dizia Caio F, é in, não off. Nada adianta se não reconhecermos que, se fomos feitos a imagem e semelhança de Deus, então somos todos Deuses. Somos apenas mais uma partícula dessa criação que faz com que tudo tenha um sentido. E hoje penso que o Deus que tanto buscamos (independentemente do nome que você decida dar a ele), está presente em tudo o que tem vida – todas as criaturas que andam, que rastejam, com correm, que voam, que respiram são igualmente criação do universo. Assim que reconhecemos que não somos donos da Terra mas que, em vez disso, a dividimos com todas as coisas vivas, então percebemos que devemos respeito até à barata que entra voando no seu quarto, pois cada criatura tem sua importância para que a vida gire.

    Não existe forma melhor de agradecer e cultuar ao cosmos (que você pode chamar de Deus, se preferir) do que respeitar e contemplar a beleza da vida. Entrar debaixo de uma cachoeira e reconhecer o valor daquela água que passa pelo seu corpo e que limpa seu ser, é muito mais significativo do que rezar um terço inteiro pensando na lista de compras do supermercado. Respeitar a vespa que poliniza a árvore que mais tarde te dará frutos para comer, é saber reconhecer os presentes da vida e pode valer mais do que sentar na igreja por duas horas e ouvir um sermão vindo de um humano como você, te falando de um monte de coisas que não fazem sentido pra sua existência. Parar de trabalhar por um instante para cultuar o pôr-do-sol (ele mesmo, o astro rei, responsável por você estar vivo e poder estar lendo esse texto na tela do seu computador), é reconhecer como somos pequenos e frágeis diante da complexidade da vida e vale muito mais do que doar 10% do seu salário para que uma instituição construa uma igreja maior e mais bonita.

    Sério.

    Outro dia estava tomando café na padaria, e começaram a transmitir umas imagens lindas feitas pela equipe de uma base de um observatório solar naquelas TVs que veiculam propagandas e notícias. As imagens eram absolutamente incríveis, mas percebi que ninguém olhava para tela, pois estavam absortos em seus mistos-quentes e coxinhas. Fiquei com vontade de levantar do balcão, de deixar meu pão na chapa e meu pingado de lado e falar: Gente, olha esse pôr-do-sol, bora aplaudir. Desisti ao imaginar a reação das pessoas perguntando quem era essa louca. O mais engraçado (ou trágico) foi perceber que, instantes depois, mais da metade das pessoas olhava para a tela para acompanhar umas manchetes falando da vida dos famosos. Eles jamais entenderiam meus aplausos.

    Conto isso para vocês sem a intenção de convencer ninguém a largar suas crenças, mas com a intenção de compartilhar (com quem se interessa) a conclusão simples porém valiosa, que as pessoas são levadas a buscar fora, algo que mora dentro delas. Quando erguemos a cabeça e nos atentamos aos sinais, percebemos quanto tempo passamos de olhos vendados. A verdade está disponível pra todos, mas só a enxergam aqueles que decidem tirar a venda dos olhos. O resto, segue vendado, achando que o preto é a única cor que existe no mundo.

    Termino com mais um episódio que aconteceu na minha vida nos últimos dias – estava na varanda lendo e um beija-flor veio voando, parou a uns 2 metros de mim, olhou dentro dos meus olhos, e  foi embora. Quase caí pra trás. A maioria das pessoas diria que ele só estava lá procurando comida e que errou o caminho. No entanto, ninguém no mundo vai me convencer que isso não é apenas mais um sinal dentre os tantos que o universo nos manda diariamente – mas ficamos tão ocupados com nossas vidas tão importantes, que nem reparamos. Eu agradeci pela visita e pelo presente – ninguém mais no planeta viu esse beija-flor nesse segundo, fazendo essa dança – esse momento ficou materializado somente na minha memória. Enquanto ele pairava no ar e trocava um olhar profundo comigo, nossos corações bateram juntos. E se isso não é Deus se manifestando, então não faço ideia do que ele seja.


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